As políticas de inclusão digital, que estimulam o uso de computadores nas escolas, podem estar gravemente equivocadas, de acordo com um estudo realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A pesquisa mostra que o uso de computadores para fazer tarefas escolares está relacionado ao pior desempenho dos alunos – principalmente entre os mais pobres e mais jovens.
O trabalho, publicado na revista Educação e Sociedade, foi coordenado por Jacques Wainer, do Instituto de Computação, e por Tom Dwyer, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. A equipe utilizou dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2004.
“Existe hoje uma posição dominante favorável ao uso do computador nas escolas, como se ele estivesse associado a uma melhoria uniforme no desempenho do aluno. Mas constatamos que ocorre o contrário: entre alunos da mesma classe social os que sempre usam têm pior desempenho”, disse.
Do ponto de vista de políticas públicas, o estudo aponta que é preciso entender melhor o fenômeno do impacto dos computadores nas notas dos alunos antes de defender a inclusão digital baseada na distribuição de tais equipamentos.
“Idéias como a de dar um laptop para cada criança parecem péssima opção, principalmente considerando que ele piora o desempenho escolar entre as crianças mais pobres. Corremos o risco de transformar a inclusão digital em uma exclusão educacional”, afirmou Wainer.
Segundo ele, a pesquisa foi derivada do Mapa da Exclusão Digital, publicado pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro em 2003. O documento apontava um melhor desempenho no Saeb entre os estudantes que tinham computador em casa.
“O documento dava um argumento favorável às políticas de inclusão digital. Mas havia problemas metodológicos: em geral quem tem computador em casa são os alunos mais ricos, que normalmente têm melhor desempenho. Para eliminar esse viés resolvemos considerar a classe social e focar no uso para tarefas escolares”, explicou.
O Saeb de 2004, segundo Wainer, prestava-se ao propósito, uma vez que incluía uma pergunta sobre a freqüência com que os alunos utilizavam o computador para tarefas escolares: nunca, raramente, de vez em quando e sempre.
“Usamos esses dados sobre alunos de 4ª e 8ª série do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio e pudemos avaliar a variação do desempenho nas provas de matemática e português de acordo com a classe econômica, dividida em sete estratos”, explicou o professor do Instituto de Computação da Unicamp.
Sem solução mágica
Os resultados mostraram que, na 4ª série, os estudantes de classe alta que usaram raramente o computador para as tarefas tiveram, em média, 15 pontos a menos do que os que nunca o fizeram – tanto em português quanto em matemática.
Dentre os mais pobres os que usaram o computador, mesmo raramente, tiveram nota pior do que os que nunca usaram, com uma diferença média de 25 pontos em português e 15 pontos em matemática. “O resultado mais importante, no entanto, surgiu quando os estudantes disseram sempre usar o computador. Entre esses, não importou a classe social ou disciplina, o desempenho foi sempre pior do que entre os que nunca usaram”, disse Wainer.
Entre os alunos da 8ª série, o quadro foi semelhante, mas houve uma melhora na prova de português entre os alunos que usaram raramente o computador. Em matemática, a diferença não foi significativa. “Mesmo assim, na 8ª série os mais pobres que usaram raramente ainda se saíram pior do que os que nunca usaram. Entre os mais ricos, os alunos que usaram raramente estiveram um pouco melhor do que os que não usaram”, contou.
Em matemática, para a maioria das classes sociais da 8ª série, os alunos que usaram raramente o computador se saíram melhor do que os que nunca o fizeram. “Por outro lado, quem usou sempre teve desempenho pior do que os que nunca usaram, em todos os casos”, destacou Wainer. Todos os dados passaram por teste de significância estatística, para eliminar o chamado ruído estatístico.
Segundo Wainer, a pesquisa constata apenas estatisticamente que os alunos que sempre usam o computador para suas tarefas têm pior desempenho. Mas não há dados para explicar por que o uso intenso piora as notas e por que o efeito é mais grave entre crianças de classes sociais mais baixas.
“Só podemos especular sobre os motivos. Para conhecê-los será preciso que outros especialistas utilizem ferramentas diferentes para realizar estudos qualitativos. O importante é destacar que os resultados são coerentes com outros estudos internacionais”, afirmou.
O pesquisador destaca que a avaliação de que o computador é uma ferramenta neutra é equivocada. “Como o computador é bom para nós, professores, por exemplo, tendemos a achar que ele é útil para todos. Mas ele não é uma solução mágica para a educação”, disse.
Da redação com informações Agência Fapesp