O mês de março é o mês da mulher, o mês que consolida o ano novo. Mas também é um mês de triste memória, pois é o mês de lembrar o golpe de 1964, o movimento político militar, que representou vinte e cinco anos de ditadura, destruição da incipiente democracia política nascida no pós-guerra.
Em 31 de março de 1964 se deu um dos acontecimentos mais trágicos da história brasileira, a derrubada de João Goulart, que de um lado, significou um golpe contra as reformas sociais que eram defendidas por setores progressistas e, de outro, um golpe contra a possibilidade de construção de um país Nação, onde de fato houvesse um governo democrático popular, preocupado com o povo, com a ampliação dos direitos democráticos, com a possibilidade de construção de um modelo econômico independente dos desígnios externos.
Passados quarenta e quatro anos, o governo e os tempos de Goulart são ainda objetos de interpretações controversas e antagônicas. Liberais e conservadores atribuem ao período e ao governo apenas aspectos negativos e perversos: "baderna política", "crise de autoridade" e "caos administrativo"; inflação descontrolada e recessão econômica; quebra da hierarquia e indisciplina nas forças armadas; "subversão" da lei da ordem e avanço das forças de esquerda e comunizantes etc.
Sem querer aprofundar especificamente esse debate o que importa perceber é que o período Goulard, 1961-1964, foi um raro momento em que a luta de classes no Brasil alcançou um de seus momentos mais intensos, dinâmicos e significativos, um daqueles raros momentos que o país poderia ter avançado rumo ao desenvolvimento, na inclusão de amplos setores sociais, na politização das organizações dos trabalhadores (no campo e nas cidades), na construção de algo novo no país ou se perder no arbítrio, na destruição da democracia, na exclusão social e na ação repressiva contra a politização das organizações dos trabalhadores, no estancamento do amplo e rico debate ideológico e cultural que estava em curso no país. Infelizmente prevaleceu o arbítrio e a exclusão.
A destruição da democracia para os golpistas de 1964, que se autoproclamavam revolucionários, representou um movimento de “salvação nacional”, um movimento “contra a corrupção, contra a subversão e a anarquia social”. Mas o mais apropriado historicamente é dizer que o golpe de 1964 foi na verdade um golpe contra a incipiente democracia política brasileira; um movimento contra as reformas sociais e políticas. Em síntese, as classes dominantes e suas elites ideológicas e repressivas, no pré-64, apenas enxergavam baderna, anarquia, subversão e comunização do país diante de legítimas iniciativas dos operários, camponeses, estudantes, soldados e praças etc. Por vezes, expressas de forma confusa e retórica, tais demandas, em sua substância, reivindicavam o alargamento da democracia política e a realização de reformas do capitalismo brasileiro.
Em março de 1964, o golpe de Estado vitorioso foi contra um governo que longe das intenções de abolição da propriedade privada ou da "comunização" do país... Sinceramente entendia ser possível, com as reformas sociais, consolidar um capitalismo industrial brasileiro e torná-lo mais humano e patriótico. Com a vitória da truculência militar, o resultado foi a manutenção do latifúndio, das profundas desigualdades sociais no campo e nas cidades e a construção um Estado profundamente limitado, incapaz de superar o clientelismo, o mandonismo, as eleições da mentira, os currais eleitorais e o poder incontestável do latifúndio e dos coronéis.
O golpe de 1964 teve como protagonistas principais as facções duras das forças armadas e o empresariado nacional (através de seus partidos, entidades de classe e aparelhos ideológicos), com o decidido apoio e o incentivo da embaixada e de agências norte-americanas (Departamento de Estado, Pentágono e outras), veio coroar as tentativas anteriormente fracassadas de golpe e assegurar poder ao grande capital.
O golpe dos generais de 64 veio destruir as organizações políticas populares e reprimir os movimentos sociais de esquerda e progressistas. Por isso foi saudado pelas classes dominantes e seus ideólogos, civis e militares, como uma autêntica “Revolução”. Foi na verdade a "solução" encontrada para superar a "crise política" no país e mais uma vez evitar que o povo virasse protagonista de seu próprio destino. Mas o mais dramático é que o governo Goulart que, nos últimos dias de março de 1964, contava com elevada simpatia junto à opinião pública, ruiu como um castelo de areia justamente porque não acreditava sinceramente no protagonismo popular. Embora não se opusessem ao governo, os setores populares e os trabalhadores nada fizeram para evitar a derrubada do governo porque estavam desarmadas, desorganizados e fragmentadas. Além disso, as forças progressistas e de esquerda também não ofereceram nenhuma resistência aos golpistas, alegando que não queriam assistir a uma "guerra civil" no país.
Talvez a maior lição histórica que Goulart tenha deixado é que governos que dizem governar em nome do povo, mas que são incapazes de mudar verdadeiramente o modelo econômico, gerando distribuição de renda, de terra e cidadania, são governos fadados ao fracasso. Presidentes que governam com um discurso populista e administram com incapacidade de coibir a corrupção, a malversação da coisa pública, serão tragados pela crise que plantam. Ainda que resistam um pouco mais que Jango. Aprendamos com a nossa história!!
Paulo Henrique Costa Mattos
Professor de História e Presidente do PSOL-TO