A falta de planejamento e a pressa do governo na construção de hidrelétricas que atendam à crescente demanda por energia ameaçam a navegabilidade das principais hidrovias naturais do País. As usinas são liberadas sempre sem a exigência de que tenham também eclusas para permitir a passagem de barcos, balsas e até navios. Quando são construídas depois da hidrelétrica pronta, ficam até 500% mais caras , segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
É o que ocorre com a Hidrelétrica de Tucuruí, no Tocantins. Lá estão sendo construídas duas eclusas. A obra, que faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), foi orçada em R$ 700 milhões. Se ocorresse simultaneamente à obra da usina, não passaria dos R$ 116 milhões. “A idéia é que as eclusas de Tucuruí fiquem prontas até 2010”, disse Murillo Barbosa, diretor da Antaq, vice-almirante da reserva da Marinha, especialista em eclusas. Elas permitem que barcos subam ou desçam os rios em locais onde há desníveis.
Sem as eclusas, fica comprometido o desenvolvimento de importantes canais de escoamento da produção agrícola brasileira, o que poderia desafogar as estradas e baratear o frete em mais de 50%. De acordo com um estudo da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), vice-presidente da Confederação Nacional da Agricultura, o custo do transporte de uma tonelada por mil quilômetros é de US$ 42,62 no sistema rodoviário, US$ 26,81 no ferroviário e US$ 18,33 no hidroviário.
Exemplo
Murillo Barbosa lembra que nos Estados Unidos o custo da produção de soja e milho é muito maior do que no Brasil. Mas, por causa do sistema hidroviário da Bacia do Rio Mississipi, acaba por tornar-se mais barato. Esse complexo tem 59 eclusas e escoa 60% da produção do agronegócio americano.
O Brasil tem grandes hidrovias nas nas regiões Sul-Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste-Norte. Se o Complexo Tietê-Paraná permite a navegação por 900 quilômetros, o do Tocantins-Araguaia poderá chegar a 1,9 mil quilômetros. Mas, por enquanto, o Rio Tocantins está comprometido, porque não foram feitas eclusas nem em Lajeado, em Tocantins, nem em Estreito, na divisa com o Maranhão, o que estrangulou a hidrovia. “Se continuarem a fazer hidrovias com esses barramentos, nós vamos matar o Rio Tocantins”, disse Luiz Antonio Fayet, consultor de logística da CNA.
Segundo ele, o Rio Tocantins tem um importância vital para a região central do Brasil, o chamado eixo “Centro-Norte”. Esse eixo está localizado no principal corredor de exportação do agronegócio brasileiro. Sai de Brasília e passa por Goiás, rumo aos sistema portuário de São Luís e Belém, além de outros portos. Esse macrocorredor é completado pelas rodovias BR-153 e BR-168 e pela Ferrovia Norte-Sul.
“Precisamos ter um sistema hidroviário trabalhando conjugado com ferrovias e rodovias para reduzir custos e impacto ambiental”, disse.
Segundo ele, o impacto ambiental de uma hidrovia é aproximadamente 7% do de uma rodovia. Grupos ambientais, no entanto, costumam ter uma atuação truculenta contra as hidrovias, lembra Barbosa, diretor da Antaq. “Nos últimos 20 anos, eles conseguiram bloquear o desenvolvimento das hidrovias com as campanhas mais absurdas.”
Nó legal
Como o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, acha que as hidrovias são fundamentais, e defende o uso delas no Plano de Desenvolvimento da Amazônia (PAS), do qual é coordenador, a idéia é envolver todo o governo na defesa dessa meta. Nos próximos meses, o ministério de Mangabeira e os ministérios do Meio Ambiente, Transportes, Integração Nacional e Justiça deverão tratar de temas complexos, como a forma de administrar uma hidrovia que passe, por exemplo, dentro de uma reserva indígena ou de uma área de proteção.
Poderia ser proibida a construção de portos nas áreas. Os rios serviriam apenas de passagem dos barcos. Na tentativa de incentivar a construção das eclusas, a Antaq fechou um acordo com a Agência Nacional de Águas (Ana), na semana passada. Pelo acordo, as duas agências vão trocar dados sobre a necessidade de eclusas em hidrelétricas já existentes ou em planejamento. Será lembrado sempre que a construção de uma eclusa depois da obra hidrelétrica encarece o projeto.
No Brasil, as hidrovias da Região Norte ainda são exploradas em sua forma natural, quase sem benfeitoria alguma. O sistema Madeira/Guaporé/Amazonas pode chegar a 1,1 mil quilômetros navegáveis, mas depende da construção de ao menos quatro eclusas, duas delas nas Usinas de Jirau e Santo Antônio, projetadas sem as obras.
Fonte: O Estado de S. Paulo