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Meio Ambiente

Só 33% do País e 7% do bioma Amazônia podem, legalmente, ser usados para abrigar atividades humanas relacionadas com moradia, produções agrícola e industrial. Esse é o resultado de um estudo da Embrapa Monitoramento por Satélite que avaliou, pela primeira vez, o alcance territorial da legislação brasileira. A incongruência das leis e das ações do Poder Executivo ao longo dos anos levou a um passivo que, se aplicada a lei, grande parte da produção de maçã, em Santa Catarina, de café em Minas, Espírito Santo e São Paulo e da vitinicultura, no Rio Grande do Sul, não poderia continuar existindo.

A primeira fase do estudo, coordenado pelo ecólogo e chefe-geral da Embrapa Monitoramento de Satélite, Evaristo Eduardo de Miranda, foi apresentado a Lula recentemente. O presidente pediu alguns desdobrabamentos que poderão ser focados na segunda fase. "A atitude do presidente foi de muita grandeza", disse Evaristo de Miranda, que contou com a ajuda dos pesquisadores Daniel de Castro Victória, Fábio Henrique Torresan, Osvaldo Tadatomo Oshiro e Marcos Hott.

Planejamento

Ao mapear o alcance territorial da legislação brasileira, os cientistas dizem ter "a impressão de que o Brasil acabou", pois não há como imaginar, por exemplo, em apenas 7% da Amazônia cidades, vilarejos, áreas para agricultura, indústrias, as obras de infra-estrutura, inclusive as do PAC, e os quase 25 milhões de habitantes. "A culpa é todos, faltou planejamento nestes anos todos, conversa entre ministérios e maior clareza de quem vota as leis", diz Evaristo de Miranda. "Quem acaba sendo penalizado é o setor privado, que passa a viver um clima de insegurança."

Evaristo de Miranda entende que não adianta criar parques apenas. "Eles estão sendo invadidos. O desmatamento dessas áreas no Pará cresceu dez vezes nos últimos anos", diz. O pesquisador elogia a iniciativa do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, de negociar com o Ministério da Agricultura com vistas a buscar o desenvolvimento sustentável do País. "Está sendo restabelecida a confiança, o que não exclui a existência de discordâncias. Sem confiança, fica difícil trabalhar", diz.

Legalidade x legitimidade

O pesquisador lamenta o fato de os legisladores não levarem em conta os usos e costumes do País no momento de elaborar a legislação. "Se você for aplicar a lei, tem de retirar todos os ribeirinhos do São Francisco, os moradores da Ilha de Marajó, os arrozeiros de várzea do Rio Grande do Sul. Há um conflito entre legalidade e legitimidade no uso e ocupação da terra e isso deve se agravar", diz Evaristo de Miranda. O dirigente da Embrapa entende que os Estados deveriam legislar sobre APPs, sobre o que pode ou não pode plantar. "Quem entende mesmo de maçã, por exemplo, é o pessoal de Santa Catarina", argumenta.

O trabalho envolveu áreas protegidas, de preservação permanente e de reserva legal. Com base em dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), foi mapeado e quantificado o alcance das legislações ambiental e indigenista. Consideradas as Unidades de Conservação (UCs) federais e estaduais criadas até junho de 2008, os pesquisadores concluíram que as UCs e as Terras Indígenas (TIs) somam 1.967.000 quilômetros quadrados - 46% do bioma Amazônia. No País, o total chega a 2.294.000 quilômetros quadrados, ou 27% do território brasileiro. Como ficaram de fora UCs municipais, Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPNs), áreas militares, Áreas de Proteção Ambiental (APAs) estaduais e municipais, o volume de terras reservadas é ainda maior.

Ausência de instrumentos

De acordo com os pesquisadores, há ainda diversas restrições de uso e exigências de preservação sobre remanescentes de terras. No bioma da Amazônia, a reserva legal abrange 80% da área florestal da propriedade e deve ser mantida intocada - em outros biomas, o percentual varia de 20% a 50%. Na Amazônia, a norma abrangeria 1.800.000 km2, "restando 10,7% da área realmente passíveis de ocupação agrícola intensiva". No País, somadas as áreas de reserva legal, se chega a 2.800.000 km2, número superior aos 2.294.000 km2 das UCs e TIs. Juntas, o total vai a 5.000.000 km2, mais de 60% das terras do País.

No caso das Áreas de Preservação Permanente (APPs), foram consideradas apenas as associadas à hidrografia e ao relevo. Segundo os pesquisadores, o trabalho foi dificultado pela inexistência de mapeamento homogêneo e detalhado da rede hidrográfica no Brasil. Foram usados dados da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Outra dificuldade se deve à inexistência de dado cartográfico para avaliar o impacto da Resolução 302 (303/2002) do Conama. A instituição define APP como aquela ocupada pelo rio, não somente o leito, mas a faixa inundável na cheia máxima, acrescida de uma faixa marginal de até 500 metros de cada lado. As APPs associadas à hidrografia somam 1.388.000 km2 no bioma Amazônia (33%) e 1.845.000 km2 no País (22%). Segundo os pesquisadores, pela lei, cidades, ribeirinhos, portos, agricultura de várzea e pastagens estão ilegais.

Agravamento

Quanto às APPs relacionadas com o relevo, foram calculadas as situadas acima 1.800 metros de altitude. O total mapeado foi de cerca de 104.500 km2 no bioma Amazônia (2,5%) e de 418.500 km2 no Brasil (5%). Como resultado, grande parte das plantações de café em Minas, Espírito Santo e em São Paulo está produzindo de forma ilegal.

Há ainda superposições entre UCs e TIs e entre elas e as APPs, que foram calculadas em 687.000 km2. No bioma Amazônia, descontado esse número, restaria como área disponível para ocupação 'legal' 1.468.000 km2 (35%). No Brasil, o volume seria de 4.725.000 km2.

A situação tende a se agravar se se considerar que o Ibama mapeou áreas para conservação prioritárias da biodiversidade que somam mais de 3.000.000 km2. Há propostas de criação e ampliação de terras indígenas, de áreas para quilombolas e para reforma agrária, dizem os pesquisadores.

Cenários

Segundo Evaristo de Miranda, especialistas, dirigentes, políticos e ambientalistas devem buscar soluções que possam ser oferecidas aos legisladores. Os pesquisadores constataram que a destinação de áreas para proteção ambiental e uso territorial de populações minoritárias avançou significativamente nos últimos 15 anos. Ele vê quatro possibilidades de encaminhamento do problema pelo governo. O primeiro cenário, diz ele, é a adequação da realidade à lei. "Nesse caso, por exemplo, o governo teria de determinar o fim de boa parte da produção de maçã e café do País e a retirada de ribeirinhos, por exemplo." A outra possibilidade, segundo ele, é a adequação da lei à realidade. Outro, é deixar como está para ver como fica.

O quarto cenário passa pelo repactuamento do ordenamento territorial. "Neste caso a discussão muda para um patamar qualitativo superior. Minha experiência de 30 anos de gestão territorial indica que, para ter sucesso, tem de ser um processo em que todos perdem, mas perdem pouco." Ele vê no ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, a pessoa capaz de promover o processo de repactuação.

 

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