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Polí­tica

Foto: José Cruz

Foto: José Cruz

O Estado brasileiro deve assegurar às comunidades de descendentes de negros de antigos quilombos o direito sobre a terra que ocupam. A opinião foi manifestada ontem, segunda-feira, 24, pelos especialistas que formaram a primeira mesa da audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). A atividade, coordenada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da CDH, integra ciclo de debates para celebrar o Mês da Consciência Negra, em referência à morte do líder negro Zumbi dos Palmares, ocorrida em 20 de novembro de 1695.

Em sua apresentação, o subsecretário para Comunidades Tradicionais da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Sepir), Alexandro Reis, lembrou que o direito dos quilombolas estaria assegurado pela Constituição de 1988.

Ele se referiu ao art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que reconhece o direito dos remanescentes de quilombos à propriedade definitiva das terras que ocupam, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

“O direito à terra, para a comunidade quilombola, representa a promoção de cidadania. É a compreensão de que a terra, e não apenas o local de moradia, é essencial para assegurar a identidade cultural das comunidades”, afirmou.

Já o deputado estadual Raul Carrion (PCdoB-RS) lembrou que, após 20 anos de vigência da Constituição, foram concedidos apenas 97 títulos de propriedade a 140 comunidades, o que representaria menos de 3% do total que espera pela regularização das áreas.

O parlamentar criticou a adoção, pelo governo, da Instrução Normativa 49/08, que regulamenta o procedimento para titulação das terras quilombolas. Para Carrion, a medida representaria um retrocesso na garantia de direitos reconhecidos pela Constituição Federal e pelo Decreto 4.887/03, marco jurídico da política federal de titulação de terras de antigos quilombos.

“A nova norma adota uma definição restritiva do conceito de terras ocupadas por comunidades quilombolas, o que leva ao risco de que a titulação fique restrita às áreas de moradias. Também cria obstáculos burocráticos, como a exigência de relatórios muito minuciosos”, disse.

Mesmo destacando o compromisso do governo federal com a luta dos quilombolas, o deputado considerou a instrução normativa "um equívoco" e fruto da pressão de grandes proprietários de terras.

Contestações

Em sua manifestação no debate, Rui Leandro da Silva Santos, assessor do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), afirmou que o governo tem buscado dar maior consistência ao processo de titulação de terras para não deixar falhas que possam levar a contestações ou recursos. Ele citou como exemplo o caso da comunidade Kalunga, em Goiás, cuja concessão do título de propriedade de terra está sendo revista pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), por problemas no processo.

Santos lembrou os riscos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239/04, movida pelo então PFL, hoje DEM, no Supremo Tribunal Federal (STF), com o objetivo de sustar os efeitos jurídicos do Decreto 4887/03. O partido questiona os critérios, contidos no decreto, para a identificação de uma comunidade quilombola e para a delimitação do território a ser titulado, além da necessidade de desapropriação de terras particulares de não-quilombolas.

No mesmo sentido, Ronaldo dos Santos, representante da Coordenação Nacional dos Quilombos, se disse preocupado com a ADI que tramita no STF e com o Projeto de Decreto Legislativo nº 44/07. O projeto, de autoria do deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), em exame na Câmara, susta a aplicação do Decreto 4.887/03.

O líder quilombola cobrou a aprovação imediata do Estatuto da Igualdade Racial (PLS 213/03, que tramita na Câmara com o número PL 6264/05). De autoria de Paulo Paim, o estatuto ainda não teria sido votado pelos deputados devido a divergências sobre o capítulo que regulamenta a situação das comunidades quilombolas no país. Para Ronaldo Santos, qualquer modificação do texto deverá ser negociada com os grupos quilombolas organizados.

Na opinião do consultor Ronaldo Jorge Araújo Vieira Júnior, da Advocacia-Geral da União, o estatuto é essencial para estabelecer um marco legal para as ações afirmativas. Conforme observou, a proposta formaliza o compromisso do Estado com os direitos dos negros, não deixando que as políticas afirmativas fiquem à mercê da vontade de governantes.

Ronaldo Vieira afirmou que o Decreto 4887/03 será mantido, de forma a garantir o direito das comunidades quilombolas à propriedade da terra. Ele também destacou os esforços do governo para a legalização das áreas de antigos quilombos e lembrou as ações promovidas pela Sepir, de coordenação dos programas públicos em favor da população negra.

Fonte: Agência Senado