Estados, municípios e o governo federal promoveram em cinco anos um crescimento dos cargos de confiança. O número saltou de 470 mil, no início de 2004, para 621 mil pessoas agora, um aumento de 32%.
Os dados oficiais sobre as administrações diretas foram compilados pela Folha. Os cargos de confiança são os chamados comissionados, que podem ser ocupados por servidores de carreira ou por pessoas de fora do serviço público. Os postos são considerados importantes para as gestões, mas os especialistas apontam um exagero no caso brasileiro.
Esta semana, o ministro Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) sugeriu a substituição de comissionados por carreiras de Estado. Já a presidenciável Dilma Rousseff (Casa Civil) afirmou que "a grande questão no Brasil é instituir a meritocracia no Estado, o profissionalismo".
Fatia do bolo
A fatia ocupada pelos comissionados no total de servidores na ativa também aumentou nos últimos cinco anos. Isso porque a velocidade de criação desse tipo de cargo foi maior que o aumento do total de funcionários das administrações diretas, que não incluem estatais e bancos públicos, por exemplo.
Nos Estados, a fatia ocupada aumentou de 5% para 6%. Eram 115 mil comissionados em 2004 contra 158,8 mil agora (crescimento de 37,4%). O salto de todos os funcionários na ativa foi de 16% (de 2,3 milhões para 2,66 milhões). Amapá e Pará não enviaram os dados pedidos pela Folha.
Paulo César Medeiros, secretário de Administração do Rio Grande do Norte e presidente do Consad (Conselho de Secretários Estaduais de Administração), diz que a expectativa era de queda no número de comissionados. Para ele, dois problemas graves são a falta de padronização e a precariedade de dados mantidos pelos Estados.
O Consad fez em 2004 a primeira pesquisa sobre servidores estaduais, incluindo comissionados, único dado disponível para comparações. "Hoje fala-se muito em uma solução mediadora dos extremos. Não é preciso acabar com comissionados, mas diminuí-los e garantir que quem ocupe passe por algum tipo de certificação. Isso já é feito em Estados como Minas e São Paulo e em países como o Chile".
Um compromisso assumido em documento de 2008 do Ministério do Planejamento e do Consad é a "definição de critérios para a ocupação dos cargos e funções comissionados".
Os Estados hoje com as maiores proporções de comissionados no total de servidores ativos são Tocantins (40%), Roraima (18,3%), Distrito Federal (14%) e Rondônia (13,9%). As menores proporções são de São Paulo (1,96%), Paraná (2,25%) e Rio Grande do Norte (2,98%).
No caso dos municípios, a fatia ocupada pelos comissionados passou de 7,9% do total de servidores em 2004 para 8,8% em 2008. Há cinco anos, segundo o IBGE, eram 338,2 mil comissionados municipais, número que atingiu 443,7 mil em 2008, crescimento de 31,2%. Enquanto isso, o total de funcionários cresceu 17,15%, saltando de 4,28 milhões para 5,01 milhões de funcionários.
No governo federal, os cargos de confiança passaram de 17.609, no começo de 2004, para 20.656 (subida de 17,3%). O crescimento do total de civis ativos foi de 7,67%, chegando 537,4 mil, segundo o Planejamento. A fatia ocupada pelos comissionados oscilou de 3,5% para 3,8%.
Crescimento preocupa especialistas
Para especialistas, preocupa o crescimento de comissionados que não têm vínculo com o setor público, os chamados cargos de livre provimento, nos quais a facilidade é maior para o preenchimento com apadrinhados políticos.
Segundo a pesquisa do Consad, em 2004 os comissionados estaduais não-servidores eram 43,2% do total. Os dados levantados pela Folha mostram que o percentual chegou a pelo menos 52%. Segundo os números repassados pelos próprios Estados, 85 mil comissionados não têm relação com o serviço público, contra 49,8 mil em 2004.
No Rio Grande do Norte, 83% dos 1.875 cargos de confiança são de livre provimento. Em Goiás, todos os 8.446 cargos comissionados são de livre provimento, contra 7.200 em Rondônia. Em Roraima, 71% dos 2.989 cargos são de livre provimento. Já em Minas Gerais, são 22% dos 14.826 comissionados.
No governo federal, os comissionados sem vínculo eram 4.771 há cinco anos e em 2008 chegaram a 5.370. A proporção manteve-se em 26%.
Cargos de confiança remontam à era colonial
Os cargos de confiança são ocupados por pessoas que agem em nome do chefe da administração. Embora só tenham sido regulamentados no século 20, remontam à era colonial, na qual o patrimônio do Estado confundia-se com o do rei, e a administração era uma extensão da casa do soberano.
Nesse Estado patrimonialista, as nomeações e promoções eram feitas à base do nepotismo e do apadrinhamento, e não por mérito ou competência. Essa situação persistiu por todo o Império.
A República Velha separou o Estado da Igreja, mas deixou a burocracia submetida à distribuição dos cargos por critérios políticos. A grande mudança se dá na Era Vargas. A Constituição de 1934 concede estabilidade ao funcionalismo, limitando as demissões por razões políticas. Em 1938 Getúlio cria o Departamento Administrativo do Serviço Público e, com ele, uma burocracia fundada no mérito, selecionada por concursos.
Apesar disso, esse modelo nunca se estendeu aos cargos de chefia, direção e assessoramento. A Constituição de 1946 é a primeira que cita os "cargos de confiança". A Carta de 1967 altera a designação para "cargos em comissão". A Constituição de 1988 distinguiu melhor os dois conceitos. Hoje cargo em comissão é um posto com salário e atribuições definidas, ocupado por pessoa da confiança do nomeante, e não necessariamente um servidor. Já função de confiança é um encargo a ser exercido exclusivamente por um funcionário, que com isso recebe uma gratificação.
50,3% dos brasileiros contratariam parentes
Vania Pacheco, que coordena as pesquisas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre os municípios, diz que há um crescimento no nível de escolaridade dos funcionários municipais, o que é uma boa notícia. Afirma, no entanto, que é preciso "separar o joio do trigo" no caso dos comissionados, já que eles são contratados de forma direta. "O efeito pode ser positivo ou negativo. Depende de quem é contratado", afirma, lembrando que muitas mudanças afetam a "memória administrativa" das gestões locais.
Segundo pesquisa da UnB (Universidade de Brasília), 50,3% dos brasileiros contratariam parentes se fossem servidores públicos (entre os servidores públicos, o número é de 32,1%). Do total de funcionários públicos entrevistados, 8,5% disseram ter obtido o cargo por meio da indicação de um parente; 16,2%, por meio de contatos políticos; 12,1%, por indicação de amigos, e 44,3%, por concurso público.
Para o professor José Matias-Pereira, do programa de pós-graduação em administração da UnB, "interesses privados, políticos e partidários comumente se sobrepõem ao interesse público". Pereira diz que, com exceção dos agentes políticos (ministros, secretários estaduais e municipais e dirigentes de empresas estatais), os demais cargos de confiança geram distorções no funcionamento da administração pública.
O diretor da Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, diz que mesmo os cargos de confiança para servidores são problemáticos, porque o "funcionário tem que se aproximar dos interesses do partido se quiser ser nomeado".
Ele também afirma que um número muito grande de cargos de confiança é usado pelos Executivos para fazer trocas com os Legislativos. Lembrando diferenças de leis com relação aos cargos públicos, explica que o governo federal dos Estados Unidos tem 9.051 cargos de confiança, enquanto na Alemanha e França são aproximadamente 500.
Da redação com informações Folha S. Paulo