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Opinião

Há uma excelente geração de novos dirigentes latino-americanos surgidos nos últimos anos e que vem operando transformações importantes na América Latina. Eles precisam ser vistos para muito além da ótica restritiva da questão ideológica, sendo aquilatados por seus feitos administrativos e pela devoção à vida pública. E a história corre célere no jovem continente cheio de riquezas naturais, povoado por centenas de milhões de pessoas produtivas e conscientes, ávido de recuperar o tempo perdido e assumir o lugar que o aguarda no cenário mundial.

Somos surpreendidos pela grandeza dos destinos da América Latina e pela força de sua gente. Ainda agora, depois de quatro governos da Concertação Democrática no Chile, que sepultaram a longa noite de trevas da ditadura de Pinochet, o empresário liberal Sebastián Piñera chegou ao poder numa eleição disputadíssima, com um discurso bastante interessante e sem baixar o nível do debate eleitoral uma vez sequer. Na noite de sua vitória, o ex-presidente Eduardo Frei, por ele derrotado, estava ao seu lado, cumprimentando-o e desejando-lhe um bom governo.

No Uruguai o presidente José Mujica, o popularíssimo “Pepe”, venceu nas urnas o ex-presidente Alberto Lacalle em um pleito duro e disputado. Mas, em momento algum, o nível da disputa foi rebaixado por nenhum dos candidatos. O eleito contou com a presença do derrotado em sua posse, em gesto civilizado e democrático, e goza de imensa popularidade ao continuar o fabuloso governo de Tabaré Vasquez, também um líder de esquerda. Pepe Mujica, como Dilma Rousseff, esteve preso por muitos anos nos cárceres da ditadura militar uruguaia, sofreu toda espécie de torturas e, igual a ela, se caracteriza pelo espírito conciliador e pela absoluta ausência de qualquer sentimento de vingança ou ódio no coração. Um homem no sentido mais completo, amplo e digno da palavra. Seu governo, com altíssima aprovação popular, não tem senão recebido elogios de todos os setores, mantendo as políticas do governo anterior, ampliando conquistas e preparando a pequena e valorosa Nação uruguaia para um grande salto qualitativo rumo ao futuro. Ninguém, nem os adversários de Mujica, viram no ex-guerrilheiro tupamaro um “terrorista”: pesou a seu favor a coragem de ter combatido uma ditadura sanguinária, como a que tivemos na mesma época aqui no Brasil, e o seu imenso sofrimento nos 14 anos de cárcere, tortura e entrega à causa de seu país.

Nossa importante parceria com o Paraguai é obra de um intenso trabalho iniciado pelo presidente Juscelino Kubitschek, coroado pelos esforços do Itamaraty na celebração do Tratado de Itaipu e consolidado com a construção da maior usina hidrelétrica do mundo. O governo Lula, com a visão humanista do presidente, com seu acentuado sentimento de latinidade e a notória competência negocial de nossa diplomacia, conseguiu chegar a bom termo nas tratativas de continuidade da parceria exitosa na gestão da Itaipu Binacional. Não faltaram críticas a posição do Brasil em relação ao Paraguai, cedendo aqui ou acolá em nome tanto da continuidade da parceria quanto da constatação de que é necessário ajudar um povo amigo, irmão e sofrido como o bravo povo guarani. É preciso recordar, também, a existência de milhares de produtores rurais brasileiros estabelecidos no Paraguai, produzindo lá, integrados à vida daquele país com suas famílias, e que não poderiam ser alvo de qualquer tipo de retaliação ou hostilidade por parte de quem quer que fosse. Não podemos e nem devemos nos esquecer do massacre a que submetemos aquela gente, dizimando numa guerra desigual quase 100% da população masculina do país. O Duque de Caxias, ao ver o que as tropas do Conde D’Eu haviam feito contra os vencidos, chocou-se e impediu a festa da vitória, mandando rezar uma missa pelos mortos de ambos os lados. Millôr Fernandes, com a sabedoria de sempre, numa frase supera todos os livros e tratados históricos sobre a Guerra do Paraguai e o que fizemos por lá: “a história do Brasil, vista do Paraguai, é outra...”

A exploração do narcotráfico como tema de campanha é demagogia, quando sabemos que nunca se combateu tanto o plantio, o refino, a distribuição e o comércio de drogas na América Latina. Esse combate tenaz se iniciou com um alentado programa do governo norte-americano, através do DEA, com a participação ativa dos governos da Colômbia, Equador, Bolívia, Paraguai e Peru, dentro outros. Além de treinamento de pessoal e material bélico (helicópteros de combate, por exemplo), os EUA irrigaram a luta anti-narcóticos com grandes e necessárias dotações orçamentárias, que permitiram que os cartéis da droga e os grupos paramilitares a eles ligados sofressem pesadas perdas e, nos dias de hoje, estivessem mesmo às portas da extinção. No Brasil a ação conjunta do DPF e das Forças Armadas praticamente desarticularam o tráfico em nossas fronteiras, diminuindo sabidamente a ação desse flagelo da humanidade. O que não foi devidamente combatido, desarticulado e nem vencido, infelizmente, foi a “Cracolândia”, no centro de São Paulo, onde se podem ver milhares de crianças e adolescentes consumindo o crack e vegetando em condições sub-humanas, em região degradada e abandonada pelo poder público. Vejam a ironia: a luta vitoriosa das Forças Armadas e da Polícia Federal sendo desmerecidas pelos partidos que não conseguiram vencer o crack no centro da maior cidade do país!

Eis que chega ao Brasil o novo presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos. É sua primeira viagem como presidente e veio visitar o presidente Lula e agradecer a colaboração do governo do Brasil à luta do povo colombiano contra o narcotráfico e a guerrilha. Apesar disso, a oposição insiste em utilizar fantasiosas relações do PT e do governo Lula justamente com aqueles que foram combatidos pelo mesmo governo. Seria surrealismo, não fosse pura má-fé.

O debate político não permite a negação dos valores pessoais e políticos do adversário. Como negar os avanços sociais no atual mandato do peruano Allan Garcia apenas pelo fato de ser um líder carismático e popular? Como negar a Evo Morales o sucesso de sua gestão, apoiada por mais de 80% dos bolivianos em sucessivos pleitos e plebiscitos, com políticas sociais e estabilidade econômica, além de notória seriedade pessoal e de propósitos, apenas pelo fato de ser um homem de esquerda? No Equador, mesmo os mais encarniçados adversários de Rafael Correa são unânimes em reconhecer, depois da costumeira bateria de críticas de ordem política, sua honradez pessoal e a profunda sinceridade com que defende suas convicções. Fazer uma campanha eleitoral mentindo, mascarando a verdade, armando jogadas, desmerecendo os adversários e, sobretudo, acreditando que o povo brasileiro não se dá conta de tamanha impostura, é o prenúncio de uma derrota anunciada. Aliás, uma grande derrota.

Os que mistificarem a discussão política em proveito do resultado eleitoral pagarão um preço alto nas urnas. Não só a América Latina como o Brasil tem passado por um processo de transformações profundas, onde o povo tem a exata noção de sua importância, de sua força e de seus verdadeiros interesses. O rebaixamento do nível da discussão política ao rés do chão em nada irá colaborar para o processo de aprimoramento das instituições ou do avanço social. O nível de nosso povo é alto, e precisa ser acompanhado pelos candidatos que insistem em fazer da campanha um palco de permanente baixaria. Os candidatos, especificamente os da oposição do presidente Lula, precisam subir ao nível do povo. Resta-nos o consolo de saber que, do alto de sua sabedoria, o povo negará a eles o seu bem mais precioso: a confiança expressa através do voto.

Delúbio Soares é professor