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Estado

Foto: Divulgação

O folclorista Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) nos lembra que todas as populações existentes do Senegal ao Gabão, nas regiões do Congo de Angola até Moçambique tiveram representantes nos engenhos de cana-de-açúcar, na mineração e lavouras brasileiras. Culturas diversas que marcaram encontro com os índios e europeus no Brasil e deram início a um “novo mundo”.

A herança negra está em todos os lugares, em palavras, na arquitetura, na comida, em festas. Não seria diferente no Estado do Tocantins, que soma 25 anos de emancipação política e outros 300 de povoamento e consolidação de traços tão marcantes de seu povo.

Com 27 comunidades negras reconhecidas pela Fundação Palmares como remanescentes de quilombo e outras 37 em busca de reconhecimento, o Tocantins reúne elementos singulares, alguns reconhecidos como únicos.

“A forma de organização das comunidades quilombolas no espaço onde estão inseridas as caracterizam como únicas, reforçando um movimento de resistência e preservação da cultura negra”, lembra o historiador Luciano Pereira, enfatizando que todas as comunidades do Estado, mesmo aquelas que estão localizadas na mesma sede municipal, possuem características próprias, se diferenciando umas das outras.

São comunidades que mantêm vivos traços sócio culturais marcantes. É o caso de Lagoa da Pedra (Arraias), onde se realiza a Roda de São Gonçalo, ou Cocalinho (Santa Fé do Araguaia) , que mantém a dança do lindô e o hábito de assar bolos de puba e de tapioca na pedra. Já nos municípios de Natividade e Chapada de Natividade, a fusão entre as culturas negra e branca deram fundamento para presença de manifestações populares junto às atividades religiosas, como a dança da suça em meio aos festejos do Divino Espírito Santo. O mesmo ocorre em Monte do Carmo, onde festejos religiosos ganham as cores e os ritmos da suça e da congada.

Manifestações culturais

Também conhecida como súcia ou sússia, a suça é dançada no folclore de municípios como Paranã, Santa Rosa do Tocantins, Monte do Carmo, Natividade, Conceição do Tocantins, Peixe, Tocantinópolis. A dança, provavelmente de origem escravagista, é caracterizada por músicas alegres ao som de tambores e cuícas. A suça na Folia do Divino de Monte do Carmo é dançada ao som da viola, do pandeiro e da caixa. Também pode ser dançada ao som do tambor. Já a Jiquitaia é um passo da suça. Acredita-se que nasceu nas senzalas de vilas como Natividade, onde os escravos dormiam no chão e eram atacados por formigas. As picadas provocavam coceiras, daí que os dançarinos repetem rodopios e simulam coceira.

A congada representa a coroação do rei e da rainha eleitos pelos escravos e da chegada da embaixada, que motiva a luta entre os dois partidos. São 12 dançarinos, que usam adornos na cabeça representando coroas, e entoam canções que remetem aos reis portugueses, religião, entre outros. Em Monte do Carmo, o congo é acompanhado por mulheres, chamadas taieiras, dançarinas que usam trajes semelhantes aos usados pelas escravas, com saias rodadas e turbante na cabeça. Os dois grupos se apresentam juntos, nas ruas, durante o cortejo do rei e da rainha, na festa de Nossa Senhora do Rosário. Já em Santa Rosa, Silvanópolis e Ipueras os grupos de congos acompanham cortejos até os cemitérios, durante os Festejos das Santas Almas Benditas.

A comunidade de Lagoa da Pedra, em Arraias, é a única a realizar a Roda de São Gonçalo no Tocantins, e sempre em pagamento a uma promessa. Mulheres ficam em pares, vestidas de branco, com fitas vermelhas. Carregam arcos de madeira, enfeitados com flores de papel e iluminados com pavios feitos de cera de abelha. Os homens tocam viola, entoam versos em louvor a São Gonçalo, cuja imagem fica em num altar preparado para a festa, próximo a um cruzeiro todo iluminado, colocado próximo ao altar. A tradição foi trazida de Portugal. Conta a lenda que São Gonçalo reunia em Amarante, várias mulheres que durante uma semana dançavam até a exaustão, para se manterem e isentas de pecado.

Dançado em pares, sem número definido, o lindô surgiu em são Domingos, Maranhão, na comunidade de Viola, por volta de 1948. Depoimentos de pessoas desta localidade que emigraram para o norte tocantinense, especificamente em Cocalinho, informam que a dança que nasceu com a necessidade de promover uma movimentação, literalmente, na semana santa, pois os mais velhos acreditavam que tinham que velar os santos do altar, e para não dormir tinham que “espantar” o sono de alguma forma. Claro que não era dançada no local da reza, em respeito aos santos. Seus praticantes mais antigos contam ainda que esta dança também era um ritual usado pelos escravos para saudar a lua cheia.

A cultura afro também está presente na gastronomia. Especialmente neste último quesito, algumas localidades conseguiram manter os saberes e fazeres seculares, com suas peculiaridades. Este é o caso de Cocalinho, onde ainda se faz os bolos de puba e de tapioca assados na pedra. A confecção e consumo desses bolos especiais só ocorre durante a Semana Santa. (ATN)