A Lei de Execuções Penais determina que os crimes de pequeno e médio potencial ofensivo deverão ser punidos com penas alternativas, desde que o crime não tenha pena superior a quatro anos, não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça contra a pessoa, que o apenado não seja reincidente, e que as circunstâncias judiciais não lhe sejam desfavoráveis.
Para debater o cenário nacional de aplicação de alternativas penais e trocar experiências entre os juízes que atuam na área, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai realizar, em 7 e 8 de agosto, o Fórum Nacional de Alternativas Penais (Fonape), voltado para magistrados das Varas Criminais e de Penas Alternativas dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais de todo o país.
A temática “Alternativas Penais ao Encarceramento Feminino” está entre as que serão debatidas no evento. A palestra e o grupo temático que abordarão o assunto estão sob a responsabilidade do desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) Herbert José Almeida Carneiro, que também é presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, vice-presidente do Instituto de Ciências Penais e professor de Penal e Processo Penal da Escola Judicial do TJMG. Confira abaixo a íntegra da entrevista com o palestrante.
Há diferença na aplicação de penas alternativas entre homens e mulheres?
Não. A lei é uma só e não faz distinção de gêneros. As alternativas penais devem ser aplicadas sem qualquer discriminação, seja de raça, cor, sexo, idade, idioma, religião, opinião política ou de outra índole, origem nacional ou social, patrimônio, nascimento ou qualquer outra condição. O que há, às vezes, é a adequação das situações e condições para cumprimento das alternativas penais, levando-se em consideração a mulher e uma eventual maternidade.
O senhor poderia exemplificar?
Se a mulher é condenada ao cumprimento de alternativa penal com prestação de serviços à comunidade e tem filhos menores sob seus cuidados, naturalmente, o encaminhamento deve ser feito para uma entidade que lhe possibilite o cumprimento desse tipo de serviço sem lhe causar transtornos e constrangimentos na assistência que deve dedicar aos filhos. O local e o horário de cumprimento da pena alternativa devem ser objeto de discussão entre juiz, promotor de justiça, advogado/defensor público, equipe interdisciplinar e apenada a fim de compatibilizarem o cumprimento da alternativa penal com as condições da mulher/apenada.
É possível dizer que tem havido aumento no número de mulheres presas no Brasil? Nesse caso, penas alternativas se fazem ainda mais necessárias? Por quê?
Sim. O crescimento do número de mulheres presas no Brasil é altamente expressivo - de mais de 50% nos últimos anos – e, proporcionalmente, bem maior do que o de homens encarcerados. Hoje, são mais de 35 mil mulheres encarceradas, sendo mais da metade delas condenadas por tráfico de drogas. Nesses casos, as penas alternativas se fazem ainda mais necessárias, se considerarmos que suas aplicações tem por serventia direta e imediata a contenção da criminalidade mais grave. Quando bem aplicada a alternativa penal e fiscalizado o cumprimento, o cidadão condenado não se envolve mais com a criminalidade mais grave. O índice de ressocialização/recuperação é de mais de 80% dos condenados.
O Brasil tem boas práticas na alternativa penal a mulheres?
Sim, e não somente com mulheres. Atualmente, temos no Brasil 18 Varas especializadas e aproximadamente 249 Centrais / Núcleos de Cumprimento de Alternativas Penais. Essas estruturas cuidam da formação da rede social, do encaminhamento do apenado, da monitoração das entidades e fiscalização efetiva do cumprimento das alternativas penais por parte do apenado. Por exemplo, na cidade do Rio de Janeiro tem uma central de penas alternativas que faz um trabalho específico voltado para mulheres sujeitas à condenação por alternativas penais, cuidando individualmente de cada uma delas, desde a formação de seu perfil psicossocial até o efetivo cumprimento da alternativa penal imposta.
Durante o II Encontro Nacional do Encarceramento Feminino, realizado pelo CNJ em 2013, houve debates sobre o tratamento punitivo dado pela Justiça brasileira a esposas de traficantes, que acabam praticando o crime por envolvimento emocional e/ou dependência econômica dos maridos. Como o senhor avalia a questão?
A situação de envolvimento das mulheres com tráfico de drogas é bastante grave e merece profunda reflexão. Se possível, para minorar o drama do encarceramento injusto e pouco eficaz. Boa parte das mulheres condenadas por tráfico, resguardadas as exceções, não tem performance de traficante e foram flagradas portando pequenas quantidades de droga, que seriam levadas para o cônjuge/companheiro na prisão. Levando em conta as circunstâncias como natureza, quantidade de drogas etc, a pena a ser imposta em caso de condenação pode ser menor de quatro anos e ser substituída por alternativa penal. Porém, não é isso que acontece sempre. Em muitos casos, a mulher é condenada a cinco anos ou mais de cadeia e encaminhada para a prisão, com imediata desintegração de todos os laços familiares. A situação é grave e resulta num problema social crescente e que merece ser enfrentado. Nesses casos, é muito arriscado ficar tão somente na dependência de uma interpretação judicial. No meu entendimento, essas situações poderiam ser melhor resolvidas com alternativas legislativas.
Presas em condição de maternidade devem ser tratadas com penas alternativas? O que diz a Lei a respeito?
Não é a condição da maternidade que define se a mulher condenada deve ou não ser tratada com penas alternativas. A legislação penal Brasileira determina que os crimes de pequeno e médio potencial ofensivo deverão ser punidos com penas alternativas, desde que: o crime não tenha pena superior a quatro anos; que o crime não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça contra pessoa; que o apenado não seja reincidente e que as circunstâncias judiciais não lhe sejam desfavoráveis. Condição da maternidade, em se tratando de mulher condenada a pena alternativa, vai recomendar à equipe interdisciplinar um estudo específico de modo a propiciar que o cumprimento da pena não traga transtornos e constrangimentos para a mulher e, ao mesmo tempo, possibilite a essa mulher condições de ressocialização e recuperação, respeitando sua dignidade e condição de mulher e mãe. (CNJ)