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Foto: Divulgação

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Em um País cuja maioria da população (96,7 milhões ou 50,7% dos habitantes do país, segundo o Censo 2010), se declara negra, é no mínimo estranho não notar a ausência da imagem do negro nos jornais, revistas, cinema, programas de tevê e até mesmo dos livros escolares, denotando um grave problema de representação social e marginalização da cultura afro-brasileira.

Foi atenta a essa questão que a professora doutora em Educação Ana Célia da Silva, que durante muitos anos trabalhou com formação de professores na Universidade Federal da Bahia (UFBA), e hoje se encontra aposentada, se colocou a investigar a representação dos negros nos livros didáticos. Ela conta, em entrevista o que a motivou a começar esse tipo de pesquisa nos anos 1.980, ajudando a fomentar os debates sobre o assunto em todo o país na época.

Ana Célia, que também atuou no Movimento Negro na Bahia, conta que antigamente os livros da escola básica não traziam praticamente nenhum conteúdo sobre os negros e quando o faziam era de forma distorcida, estereotipada. “Nos anos 70, comecei a trabalhar nas escolas com projetos de extensão pedagógica do Ilê Aiyê para ensinar a História da África, em Salvador. Aí notamos que as crianças e jovens não gostavam que se falasse nisso. Fui investigar o porquê e descobri o conceito de auto-rejeição, que é o que leva você a não querer ser algo representado de forma negativa. Foi a partir daí que comecei a identificar o estereótipo [do negro] apresentado nos livros didáticos de língua portuguesa da escola primária (o correspondente hoje às séries iniciais do Ensino Fundamental).”

Para o trabalho do mestrado, ela analisou 82 livros utilizados durante os anos 1980 em 22 escolas da zona escolar do bairro da Liberdade. Nesses livros foram identificadas 435 de crianças brancas em atividades de lazer ou em sala de aula e apenas 51 ilustrações de crianças negras, a maioria delas trabalhando ou realizando ações consideradas negativas. Também foram realizadas entrevistas com alguns docentes que utilizavam esses livros e o resultado que consta na pesquisa que deu origem ao livro “A discriminação do negro no livro didático”, publicado pela editora UFBA, em 1995, foi que grande parte dos professores sequer percebia a discriminação contida nos livros sob a forma de estereótipos.

Na sequência, dando continuidade às pesquisas com o tema, ela publicou pela editora UFBA o livro “Desconstruindo a discriminação do negro no livro didático”, em que relata um trabalho mais aprofundado sobre a percepção dos docentes sobre os estereótipos presentes nos livros didáticos, em 2001, e  “Representação social do negro no livro didático: o que mudou? Por que mudou?”, em 2011, em que apresenta os resultados de sua pesquisa para obtenção do título de doutoramento em educação, defendida em maio de 2001, que compara a presença da imagem do negro nas publicações didáticas da década de 1990 com as de sua pesquisa da década anterior. Segundo ela,   de 15 livros de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental da década de 1990 apenas cinco revelaram mudanças significativas à representação do negro nos textos e ilustrações em relação às publicações da década de 1980 analisadas. Ou seja: nesses materiais os personagens negros foram apresentados sem caricaturização, desempenhando atividades não consideradas subalternas – inclusive estas também passaram a ser representadas por personagens brancos, denotando que a cor não era o que lhes determinava. No livro, a autora escreve: “As crianças representadas negras vão à escola, têm amigos de outras raças/etnias e interagem com elas sem subalternidade. Praticam atividades de lazer. Não são apenas 'más', como outrora”.

Perguntada sobre a instituição da lei que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Educação Básica em 2.003 (Lei 10.639), que impulsionou a oferta de cursos de formação e publicações sobre o assunto tanto pela esfera governamental quanto pela privada, Ana Célia diz ver a iniciativa com bons olhos, mas faz algumas ressalvas. “É que a lei não deveria se restringir à Educação Básica, deixando, com isso, os cursos de formação de professores de fora dessa obrigatoriedade”, diz, apontando a formação do professor para lidar com o tema como uma das grandes dificuldades do processo de valorização da imagem do negro nas escolas, apesar da variedade de materiais e dos incentivos cada vez mais presentes nas diretrizes curriculares para o trabalho pedagógico de temas ligados à promoção do respeito à diversidade. (EBC)