Em consequência de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal no Tocantins, o Poder Judiciário condenou a União Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai) ao pagamento do valor correspondente a quatro mil salários mínimos, a título de danos morais coletivos, aos integrantes da etnia indígena avá-canoeiro. O valor será empregado na aquisição de área para que o grupo indígena seja alocado enquanto o processo de demarcação de suas terras não seja finalizado.
A sentença também deferiu o pedido de antecipação de tutela e determinou o depósito judicial equivalente a dois mil salários mínimos no prazo de 60 dias, sob pena de multa diária de R$ 20.000,00. A medida é considerada imprescindível, já que o processo de identificação e demarcação da área tradicionalmente ocupada pelos avá-canoeiro tramita há quatro anos sem perspectiva de conclusão. Enquanto não se conclui o processo demarcatório, é necessária adoção de medidas urgentes para separar as duas etnias em área distintas, mas sem afastar os avá-canoeiro dos locais historicamente por eles ocupados.
A ação civil tem como base estudo antropológico que levantou informações acerca dos avá-canoeiro desde a segunda metade do século XVIII, quando passaram a ocupar as cachoeiras do rio Tocantins e o vale do rio Araguaia. Em razão da atuação violenta de uma frente de atração da Funai na década de 1970, os avá-canoeiro perderam definitivamente sua autonomia e a posse da terra que ocupavam. Por imposição da Funai, foram sumariamente transferidos para uma aldeia da etnia javaé, seus inimigos históricos, passando a viver na condição de povo dominado e sujeito a humilhações, constrangimentos e abusos, incluindo violências físicas e o cerceamento da liberdade de se locomover.
A partir de 2009, com o trabalho da antropóloga Patrícia Rodrigues, a situação atual dos avá-canoeiro, aparentemente esquecida por talvez se presumir sua integração à etnia javaé, foi relembrada pelo Estado Brasileiro. Mesmo em condições adversas, o grupo preservou sua organização social, costumes, crenças e tradições. A sentença ressalta que não há como as requeridas União e Funai negarem que desconheciam a situação dos indígenas, pois trouxeram em suas contestações informações precisas sobre a história do grupo, especialmente a partir da década de 1970.
Perseguição histórica
O relatório antropológico aponta que perseguições incessantes levaram à fragmentação dos avá-canoeiro. Parte do grupo de índios dedicados à caça e pesca se concentrou na bacia do rio Javaés, habitado pelo grupo javaé, razão pela qual se tornaram inimigos históricos. Já na década de 1960, o povo avá-canoeiro estava situado na Mata Azul, área dentro de uma fazenda de propriedade de não-índios. Uma parceria firmada entre os fazendeiros e um grupo investidor visando a criação de gado e instalação de uma fundação educacional rural motivou a retirada dos avá, sem nenhum tipo de providência quanto à regularização fundiária da terra em que viviam.
A forma como o contato foi realizado foi muito mais brutal e violenta do que aparece nos relatórios oficiais da época, causando perda de vidas indígenas. A baixa imunidade a doenças também causou mortes. Os avá-canoeiro foram literalmente caçados e capturados pelos agentes do Estado, que de certa foram deram continuidade a um processo realizado há décadas pelos ocupantes locais não-índios. Em 1976, por determinação do órgão indigenista que também não consultou os javaé, os avá-canoeiro foram transferidos para a aldeia de seus inimigos históricos na atual Terra Indígena Parque do Araguaia, local onde a maioria vive até hoje sem haver o reconhecimento de seus direitos indígenas.
A decisão judicial também aponta que as medidas adotadas pela Funai em relação aos avá-canoeiro foram inexpressivas e paliativas, não alterando sua situação de completo abandono e esquecimento pelo Estado Brasileiro, sujeitando seus membros a todo tipo de privações, entre elas a vulnerabilidade alimentar, que causou a morte de uma adolescente por desnutrição, em 2011.