Pesquisa inédita realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revela que a cada quatro ex-condenados, um volta a cometer crime no prazo de cinco anos, uma taxa de 24,4%. O resultado foi obtido pela análise amostral de 817 processos em cinco unidades da federação - Alagoas, Minas Gerais, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro.
O estudo considera apenas o conceito de reincidência legal - conforme os artigos 63 e 64 do Código Penal, só reincide aquele que volta a ser condenado no prazo de cinco anos após cumprimento da pena anterior. Outros levantamentos já realizados sobre reincidência, com taxas mais elevadas, costumam considerar a quantidade de indivíduos que volta a entrar nos presídios ou no sistema de Justiça criminal independentemente de condenação, caso dos presos provisórios.
Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, o juiz auxiliar Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi destaca a importância de observar os diferentes tipos de reincidência para otimizar políticas em diferentes frentes. “É imprescindível lidar melhor com todas as ações e opções desde o primeiro momento em que uma pessoa tem contato com o sistema de Justiça criminal, fomentando medidas que desestimulem o crime e resultem em investimento social”.
Perfil
A pesquisa também traz detalhes sobre o perfil do reincidente: ele é jovem, do sexo masculino, tem baixa escolaridade e possui uma ocupação. Também foi identificada maioria de brancos reincidentes, mas os pesquisadores alertam para possíveis distorções, uma vez que esse item obteve a maior quantidade de abstenções nas respostas: no universo de 817 processos pesquisados, 358 não traziam informação sobre raça ou cor.
Quanto ao gênero, o estudo destaca a tendência de homens a reincidir no crime. Embora o sexo masculino já seja maioria na amostra total de condenados (741 entre os 817 casos analisados), a diferença aumenta significativamente com a reincidência - entre os não reincidentes, a proporção entre homens e mulheres é de 89,3% para 10,7%; entre os reincidentes, a diferença aumenta para 98,5% e 1,5%.
Para o sociólogo Almir de Oliveira Junior, do Ipea, é importante estabelecer um perfil do reincidente para investir em políticas públicas mais efetivas. “Existem as pessoas que simplesmente passam pela Justiça criminal e aquelas que realmente sobrecarregam o sistema. A tendência do reincidente é continuar reincidindo, de modo que é preciso ter um trabalho mais intenso e cuidadoso do Estado com quem está nessa situação”, avalia.
Processual
Os pesquisadores também chegaram ao perfil dos reincidentes a partir de critérios processuais. Crimes contra o patrimônio, como roubo e furto, são maioria entre a amostra total de condenados, mas ainda mais frequentes entre os reincidentes (50,3% em comparação com 39,2% entre os primários). Outros tipos penais que tiveram maior proporção entre os reincidentes são aquisição, porte e consumo de droga (7,3% contra 3,2%), estelionato (4,1% contra 3,2%) e receptação (4,1% contra 2,0%).
Já o crime de tráfico de drogas tem maior porcentagem entre os não reincidentes que entre os reincidentes (19,3% contra 11,9%), assim como homicídio (8,7% contra 5,7%) e lesão corporal (3,4% contra 2,6%). Os crimes de porte ilegal e posse irregular de arma de fogo têm praticamente o mesmo índice entre os dois perfis, de 6% entre os primários e 6,2% para reincidentes.
Embora o tempo para condenação seja próximo para ambas as categorias, com média de um ano e onze meses até a sentença, os reincidentes tiveram um tratamento mais rígido na punição, conforme estabelece o Artigo 61 do Código Penal. Receberam mais pena privativa de liberdade que os primários (89,3% contra 75,7%), além de menos penas alternativas (6,6% contra 9%) e menos suspensão condicional da pena (3% contra 13%). Mais reincidentes já estavam presos provisoriamente no momento da condenação, uma taxa de 54,3% em comparação com 49,6% entre os primários.
Estudo
Iniciado em 2011, o estudo Reincidência Criminal partiu de uma amostra de indivíduos que terminaram de cumprir pena em 2006. A reincidência pregressa foi detectada nos registros processuais disponíveis, e a reincidência posterior considerou se houve nova condenação entre 2006 e 2011. A análise dos dados envolveu uma equipe multidisciplinar de advogados, sociólogos, antropólogos, cientista social e estatístico.
Além de obter dados quantitativos e qualitativos sobre reincidentes, a pesquisa analisou se as prisões estão cumprindo a função ressocializadora prevista na Lei de Execução Penal (LEP). Essa fase consistiu na apuração presencial da realidade carcerária de três estados e suas tentativas de melhorar a gestão do sistema, ouvindo juízes, gestores, profissionais de assistência e os próprios presos.
Essenciais para formulação de políticas de execução penal, com efeitos diretos na área de segurança pública, as pesquisas envolvendo o sistema carcerário revelam a urgência do tema - a população nos presídios brasileiros cresceu 83 vezes em 70 anos, e já somos o quarto país que mais encarcera no mundo (607,7 mil) – atrás de Rússia (673,8 ml), China (1,6 milhões) e Estados Unidos (2,2 milhões).
Para o coordenador do DMF/CNJ, os elevados índices de criminalidade decorrem da sensação de impunidade, que deriva da incapacidade do Estado de intervir de maneira transformadora na vida de quem pratica infrações. “Quanto mais o Estado deixa de individualizar o tratamento dispensado ao autor de uma infração, desde o início até a fase de execução da pena, maior é a realidade de que a prisão será insuficiente para transformar o ser humano que um dia estará de volta ao convívio social”, avalia Lanfredi.
Clique aqui para acessar a pesquisa. (Ascom CNJ)