“Nós estamos sem água. Eu estou sem água para beber. Minha criação está morrendo. Tenha piedade da gente, nós estamos à mercê, não aguentamos mais essa situação de insegurança, a gente não pode ser retirado daqui e jogado em qualquer lugar. A gente tira água todo dia no poço, sem tratamento, para beber, molhar as plantas, alimentar as nossas criações. Enquanto isso, o Itertins fica protelando o cancelamento desse título”, desabafou aos prantos Rejane Gomes, 39 anos, pequena produtora rural, ocupante do Loteamento Agrotecnlógico de Palmas, conhecido como Vila Agrotins, onde cria porcos e galinhas para revender na Capital.
Além da água, falta também energia elétrica e sobra a insegurança devido à falta de regularização da área e a existência de uma ação de reintegração de posse, em que as famílias contam com a assistência da Defensoria Pública do Estado do Tocantins. A titulação da terra é questionada pelos ocupantes, por ter sido feita de forma irregular, por isso pleiteiam o cancelamento administrativo do título atual, sendo que há, inclusive, parecer favorável pela PGE – Procuradoria Geral do Estado, pelo reconhecimento do vício da concessão do domínio da área.
O pescador e produtor rural Pedro Dias conta que outra dificuldade relacionada à falta de regularização da área é em relação ao escoamento da produção. Segundo ele, são produzidas em média de 50 a 100 sacos de farinha semanalmente, e a venda desses produtos é dificultada devido à falta de selo de inspeção. “Hoje nós estamos vendendo para particular porque não temos o registro para ter o selo de inspeção. Pelo fato de não termos o documento da terra, a Secretaria de Agricultura não dá o selo pra gente. Isso dificulta o escoamento da produção”.
O desabafo de Rejane, de Pedro, e de tantas famílias ocupantes da área foram ouvidos durante atendimento coletivo feito pela DPE – TO – Defensoria Pública do Estado do Tocantins, por intermédio do DPAGRA - Núcleo da Defensoria Pública Agrária e NAC – Núcleo de Ações Coletivas, na Vila Agrotins. O atendimento foi realizado num barracão, com utilização de um som improvisado – devido à falta de energia elétrica – no bagageiro de um veraneio. Desde 2013, a DPE-TO acompanha as 146 famílias de baixa renda ocupantes da área de 156 hectares, que além de terem fixado moradia no local, o utilizam para produzir alimentos que abastecem à Capital.
“É inadmissível que, em pleno século XXI, famílias padeçam com falta de água. Ainda mais na capital do Estado. Se o título é nulo, conforme parecer da própria PGE, essa área, ocupada por pequenos camponeses, deve ser destinada à reforma agrária, a quem de fato exerce posse sobre elas, que nelas vivem, produzindo, ajudando a compor o cinturão verde da capital. Essas famílias fazem com que esta terra cumpra a sua função social, tornando-a produtiva, cultivando alimentos e criando animais. A regularização fundiária dessa área é urgente, para que além do direito à posse da terra, sejam garantidos direitos fundamentais à dignidade humana, que é ter água potável e energia elétrica”, afirmou o coordenador do DPAGRA, defensor público Pedro Alexandre.
Atendimento
O objetivo do atendimento coletivo foi o de discutir o processo regularização fundiária da área, principalmente saber o andamento de sua tramitação, e também subsidiar as providências que serão adotadas pela Defensoria Pública, necessárias para resguardar os direitos fundamentais afetos às famílias de baixa renda ocupantes do local. O atendimento foi coordenado pelo defensor público Pedro Alexandre, com apoio da defensora pública Luisa Pacheco e de servidores do NAC, com a presença do promotor de Justiça Marcos Luciano Bignote; da representante do Itertins - Instituto de Terras do Tocantins, Sirleuda Oliveira Fontineles; e do representante da Energisa, Bruno Gonçalves de Queiroz.
Representando do Itertins, Sirleuda Oliveira Fontineles informou que o processo retornou da PGE há poucos dias e já está no setor jurídico do órgão para atender às solicitações feitas pela Procuradoria. “O processo está tramitando normalmente, em virtude da complexidade do tema”, explicou.
Segundo o defensor Público, ainda em março, após audiência pública realizada na câmara municipal de Palmas para tratar da situação, em reunião junto à presidência do Itertins, foi pontuado os vícios e irregularidades da emissão dos títulos e a sinalização, por parte daquele ente, do cancelamento da titulação atual e regularização fundiária da área. Já se passaram cinco meses e as famílias continuam nessa situação de impasse. “O Estado foi muito eficiente para emitir o título de forma irregular e está sendo muito ineficiente para anulá-lo. É de causar estranheza que os procedimentos administrativos do Estado são rápidos quando é para beneficiar pessoas próximas de políticos, pessoas com grande poder aquisitivo, e morosa para reparar um erro que vai beneficiar uma população sofrida, em situação de vulnerabilidade, com dificuldade para trabalhar. Essas famílias ficam numa situação de insegurança muito grande, respondendo a uma ação de reintegração de posse, sofrendo prejuízos que poderiam ser minorados exclusivamente por providência administrativa”, ponderou.
Energia Elétrica
Em relação aos pedidos de ligação da rede elétrica na Vila Agrotins, o representante da Energisa, Bruno Gonçalves de Queiroz, informou que a companhia está disposta a fazer a ligação, e que não foi realizada ainda porque não há autorização do proprietário da terra para realização do serviço. “Para passar rede elétrica em área rural precisa-se de autorização do proprietário da área e nós não temos essa autorização. No dia em que tivermos uma autorização seja judicial, do proprietário, ou do Estado, a Energisa se compromete, em menor tempo possível, regularizar essa situação. É uma causa nossa em função da segurança das instalações elétricas que estão aqui, nós não podemos permitir essa situação que coloca a vida de vocês em risco”, destacou.
Queiroz alertou aos produtores rurais que ainda não formalizaram o pedido de ligação de energia elétrica, que o faça o mais rápido possível. “Assim que área estiver regularizada e houver autorização, a ligação de energia elétrica será feita de pronto pela empresa. É importante que conste os pedidos, o nome de cada um, o endereço”, explicou.
Encaminhamentos
Segundo Pedro Alexandre, a Defensoria vem tentando pela via negocial buscar uma solução amistosa para o conflito, conforme sinalizado em março de 2015 pelo gestor do Itertins. Todavia, diante da injustificável demora, não resta à DPE-TO senão buscar as medidas judiciais adequadas. “Vamos estudar as medidas judiciais que possam ser tomadas e convidar o Ministério Público se quiser encampar o polo ativo dessa ação. Essas famílias não podem viver sem água potável, energia, sem acesso básico a serviços de saúde”, ressaltou. (Ascom Defensoria)