Com o remo na mão e a bordo de uma canoa, nem todos os povos indígenas têm a mesma facilidade que os assurini e os erikibaktsa, etnias conhecidas por sua perícia na canoagem. Por conta disso, brasileiros e estrangeiros com pouca ou nenhuma familiaridade com a modalidade passaram por um treinamento na manhã desta terça-feira (27). As provas da canoagem começam na próxima sexta-feira, no ribeirão Taquaruçu-Grande.
A organização confeccionou 20 canoas para as disputas, todas feitas do mesmo material para evitar algum tipo de favorecimento. A madeira utilizada é a cedrorana, parecida com o cedro. Com 5,5 metros de comprimento e aproximadamente 55 quilos, as canoas foram projetadas para a competição – e, por isso, são mais estreitas, o que diminui o arrasto na água e dá mais velocidade ao equipamento.
O processo de confecção das canoas é artesanal e leva de 15 dias a um mês. Depois da derrubada da árvore, o tronco passa por desgalhamento e alinhamento do equipamento, em um processo que dura de dois a três dias. Em seguida a canoa é esculpida a golpes de machado e passa pela brocação do casco, escavação do tronco e a queima, ponto em que a tora é amolecida até o seu limite para ganhar forma. Por fim, é feito o acabamento, quando os bancos são colocados e a calafetagem dos furos é concluída.
Cada canoa possui uma caracterização única – pinturas que seguem as tradições de várias etnias nacionais, nas cores preta e vermelha. A escolha das canoas será feita por sorteio, e as baterias terão até seis duplas participantes. Os canoeiros podem usar seu próprio remo, e a direção de prova fornecerá remos adequados para os que precisarem. A largada é dada na praia: os atletas devem colocar a canoa na água para, só depois, começarem a remar.
Treinamento
Jairton Kaigang foi um dos primeiros a experimentar a canoa de prova. Estreante na canoagem, ele precisou de algumas lições para conseguir avançar até as águas abertas: “Na nossa aldeia (no Paraná) não tem um rio desse tamanho. Lá perto existe só um córrego e a gente não tem o costume de usar esses barcos. Achei interessante e divertido”, conta. “Tivemos dificuldade para nos equilibrar, e ainda não estamos sabendo fazer a volta. Mas vamos tentar”.
Tricampeões nacionais na canoagem, os assurinis também testaram o equipamento. “Não muda muito em comparação com a nossa canoa. Viemos aqui para ver se ela é mais leve ou mais pesada do que estamos acostumados”, conta o canoeiro Toriauia. Segundo ele, equilibrar a canoa não é a parte mais difícil, mas sim controlar e conduzir dentro do percurso estabelecido – um triângulo demarcado por bóias.
Indígenas do México, Guiana Francesa, Colômbia, Nova Zelândia, Filipinas, Estados Unidos, Finlândia, Nicarágua, Canadá, Costa Rica e Uruguai também puderam testar as canoas. Pelo menos três dupas estrangeiras acabaran deixando a canoa afundar, mas sem consequências graves. “Foi difícil. A canoa daqui é diferente da que temos na Guiana Francesa. Foi a primeira vez que entrei em uma canoa usada pelos brasileiros”, confessa Martial.
O norte-americano Melt Spottedbear também foi apresentado à canoa tradicional no treino de hoje. “Foi diferente, mas não foi difícil. Não ficamos com medo de usá-la e acredito que podemos nos sair bem”, afirmou. Sérgio Santana, do México, está acostumado com a prática, mas encontrou diferenças entre o estilo brasileiro e o do seu povo: “O tamanho do nosso remo é maior, e ele também é mais aerodinâmico. A nossa canoa também é cerca de um metro maior, e feita de uma madeira diferente”.
Presidente da Federação de Canoagem do Estado do Pará, Evaldo Malato conta que a técnica da canoagem tradicional é a mesma utilizada pelos atletas olímpicos. “A saída do remo da água é o que dá direção à canoa, mantendo-a reta”, explica. “Para o indígena, a canoagem é uma necessidade cotidiana. Surgiu como um veículo de locomoção e hoje é uma prática esportiva, de identidade cultural própria, reconhecida pela Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa)”.
Tetracampeão mundial da paracanoagem, o atleta Fernando Fernandes acompanhou as sessões de treino e contou sobre o estágio de cinco dias que fez na aldeia dos Javaés, em Tocantins: “Vim para cá para conhecer as raízes do meu esporte e saber de onde o esporte que eu pratico veio. A canoagem tradicional e olímpica, paralímpica, são bem diferentes. Mas deu para sentir a capacidade física dos povos e a aptidão natural que eles têm”. E propõe a valorização dos talentos nativos: “Por que a gente não começa a desenvolver a canoagem do nosso país? Os indígenas têm essa competência e vigor, e esta está sendo uma grande oportunidade de mostrar isso”. (EBC)