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Opinião

Foto: Divulgação

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Que País é este, que, em vez de avançar no que diz respeito à garantia dos direitos humanos, e, em promover um desenvolvimento sustentável com responsabilidade ambiental e social, retrocede a passos gigantescos para se assemelhar a práticas do século XVIII?

Assim defino a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição, denominada PEC 215 pela comissão especial da Câmara dos Deputados, criada para fazer uma alteração na Constituição Cidadã de 1988, que altera as regras e retira do governo federal a autonomia na demarcação das terras indígenas, quilombolas e das Áreas de Proteção Ambiental (APAs), passando a competência para o Congresso Nacional. Além disto, a proposta também possibilita a revisão das terras já demarcadas. Apesar dos protestos por parte de deputados contrários, de representantes indígenas, quilombolas, ambientalistas e de alguns partidos políticos a proposta foi aprovado por 21 votos, no último dia 27 de outubro.

Que fique claro que estes votos são originários de parlamentares da bancada ruralista e que defendem os seus próprios interesses, e, não por acaso, são integrantes desta comissão especial. O Congresso Nacional tem dado uma demonstração inequívoca de falta de ética, de decisões reacionárias, de obstrução de apurações de crimes que afetam os seus iguais a quem protegem com todas as suas forças, inclusive, um presidente da Câmara dos Deputados, o segundo na linha sucessória da presidência da República, que é mentiroso, cara de pau, malandro e merecedor de outros adjetivos.

O que chama a atenção dos deputados e senadores que defendem e aprovam a PEC 215, é a tranquilidade com que demonstram toda a sua insensatez, crueldade, ganância por terras que legitimamente pertencem aos indígenas, quilombolas ou são Áreas de Proteção Ambiental, mesmo sabendo que estão provocando, de forma irresponsável, uma convulsão social. Para ser aprovada em definitivo, esta proposta terá que ser votada em duas sessões na Câmara Federal e em duas no Senado Federal.

Para o bem do Brasil, espero que haja bom senso por parte da maioria dos 513 deputados federais e 81 senadores da república quer compõe o Congresso Nacional, pois do contrário, a guerra já está declarada por parte dos mais de 240 povos indígenas com seus mais de um milhão de pessoas, das mais de 2.400 (duas mil e quatrocentas) comunidades quilombolas já certificadas e quase 400 (quatrocentos) em fase de certificação, que somam mais alguns milhares de pessoas em todos os estados da federação. Além destes, se juntarão vários movimentos sociais, ambientalistas e organizações fortes de defesa do meio ambiente, dentre elas o Greenpeace, intelectuais e pesquisadores.

O cenário que está se desenhando no país, após a aprovação da PEC 215 pela comissão especial, por parte de deputados nada especiais, não é dos melhores. Para se ter uma ideia da gravidade do momento, os reflexos foram imediatos durante a realização dos I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas que estão ocorrendo em Palmas-TO. Desde a abertura, no dia 23 de outubro, houve protesto público sobre o assunto, quando o cacique Xavante, falando em nome de todos os povos indígenas, pediu respeitosamente, à presidente da República Dilma Roussef, diante de ministros, governadores, senadores, deputados federais e demais autoridades, que não permitisse a aprovação desta proposta, fato amplamente divulgado pela mídia nacional e internacional. Durante os dias que estão se sucedendo, principalmente após a aprovação, houve até boicote de algumas apresentações em sinal de protesto. Em outras palavras, o caldo está engrossando em proporções aceleradas.

É difícil entender um país, além de constituir-se num paradoxo, onde o Sebrae, se engaja em um projeto como o dos I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, investindo muitos recursos na capacitação de várias etnias indígenas no que tange à confecção e comercialização de seu artesanato, na montagem de uma super-estrutura padrão Sebrae, divulgando e chamando a sociedade para que visitem a Feira de Artesanato Indígena e conheçam a riqueza e valor de sua arte, atraindo comerciantes, inclusive do centro-sul do país para potencializar a comercialização destes produtos para a sociedade não indígena, justamente quando a PEC 215 inviabilizará este tipo de negócios.

Como entender um Congresso Nacional que vai contra os avanços sociais fruto da Constituição de 1988 e não percebe o que está ocorrendo durante estes I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, onde está sendo promovida a 2ª Feira Nacional de Agricultura Tradicional Indígena-Fenati, realizada pela Coordenação-Geral de Políticas para Povos e Comunidades Tradicionais do Ministério do Desenvolvimento Agrário, com o apoio de vários organismos e tendo aceitação muito grande do público visitante, sendo marcos de sustentabilidade, econômica, social e ambiental indígenas.

Durante este evento dos I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, de repercussão midiática internacional tem se dito e exibido a beleza da arte tradicional dos povos originários, da beleza das mulheres, crianças, ressaltado o físico de muitos homens das 23 etnias indígenas brasileiras e 24 estrangeiras, dos seus adornos, de suas pinturas corporais, de suas danças e habilidades nos diversos tipos de esportes. Os indígenas estão sendo aplaudidos, reconhecidos e admirados. Eles tem repetido constantemente que são os donos das terras desde antes da colonização, os verdadeiros guardiões das florestas e do meio ambiente, e tem razão quando o afirmam. E pergunto: isto não repercute no Congresso Nacional? Isto só tem valor aqui em Palmas-TO durante este mega-evento esportivo?

É lamentável ver que o projeto de desenvolvimento em curso e que atende os interesses de grandes empresas, muitas delas transnacionais exigem que se construam cada vez mais hidrelétricas, se desmate as florestas da amazônia legal e do cerrado para implantar grandes projetos agrícolas que beneficiam, em especial, os políticos detentores do poder. O mais grave é que, para implantar este tipo de projetos é necessário a alteração da Constituição, para assim, de forma legal, cometer toda sorte de crimes e atrocidades contra povos indígenas, comunidades quilombolas e Áreas de Proteção Ambiental. Foi assim que as decisões eram tomadas no século XVIII.

Não é possível tolerar mais este tipo de decisões como a da PEC 215. Caso esta proposta se torne realidade, além do país entrar em convulsão social, o Hino Nacional terá que ser alterado urgentemente. Sugiro que na primeira parte da segunda estrofe se cante: "Teus risonhos, lindos campos já não tem mais flores; Nossos bosques não tem mais vida. Nossa vida, no teu seio, sem amores".

Para concluir, recomendo que anotemos, gravemos e saibamos muito bem quem são cada um dos deputados e senadores que votarem a favor desta proposta de alteração constitucional, para que sejam escorraçados do Congresso Nacional nas próximas eleições, pois chegaram lá como legítimos representantes do povo através do voto depositado nas urnas. Mas enquanto estiverem lá, devem ser denunciados publicamente pelo crime que estão cometendo e responsabilizados pelos atos de violência que sucederão, provocados pelos seus atos nada insanos, pois são muito bem planejados.

*Wolfgang Teske é catarinense de Blumenau-SC, jornalista, educador e teólogo, pós-graduado em Docência do Ensino Superior e Mestre em Ciências do Ambiente/Cultura e Meio Ambiente. Reside em Palmas-TO, desde 1992, onde implantou o Complexo Educacional da Universidade Luterana do Brasil, sendo o seu primeiro diretor. Foi diretor de Relações Empresariais e Comunitárias da Escola Técnica Federal de Palmas, hoje IFTO, na sua implantação. Atualmente, é professor e pesquisador da Universidade Federal do Tocantins. Autor dos livros A Roda de São Gonçalo; Cultura Quilombola; co-autor do Fotolivro Roda de São Gonçalo e diretor de produção do Filme A Promessa. É Cidadão Palmense e Membro da Academia Palmense de Letras - cadeira nº 17. Wolfgang Teske ainda escreve semanalmente em seu blog Alfarrábio Pensar.