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Estado

Foto: Divulgação Pedrinho Alencar com cartaz e em cima do caminhão o Bispo D. Celso de Almeida, ano de 1979 Pedrinho Alencar com cartaz e em cima do caminhão o Bispo D. Celso de Almeida, ano de 1979
  • Recorte do jornal O Popular, reportagem do jornalista Lorimá Dionísio Gualberto sobre o conflito ocorrido em 21/08/1979, constante do dossiê confidenciais do Serviço Nacional de Informação (SNI)
  • Comunicação confidencial do SNI sobre queima e derrubada das casas dos posseiros e sobre disparo de arma de fogo na fazenda São João, o relato cita o Bispo D. Celso de Almeida
  • Mapa da fazenda São João, após a regularização, elaborado pelo INCRA de Goiás, mostra os limites das ocupações

Nesta segunda-feira dia 18 de abril de 2016, completa 20 anos do massacre de Eldorados dos Carajás, ocorrido em 1996, quando 155 policiais militares atiraram e executaram camponeses sem terra no Pará. Após essa data o programa nacional de reforma agrária avançou em termos quantitativos, mas não tem motivos para comemorar, saltam aos olhos os inúmeros casos de irregularidades referentes à distribuição de lotes e fraudes. Após exaustivas fiscalizações, inclusive no Tocantins, o Tribunal de Contas da União determinou a paralisação do programa de reforma agrária no País. Segundo a Controladoria-Geral da União, há 76 mil lotes com indícios de fraude, quase 8% do total concedido nos últimos 20 anos.

No Estado resgata-se nesta data trazendo a lume a história de violência contra os posseiros da fazenda São João. Um esforço do historiador Pedrinho Alencar para registrar os fatos que marcaram a vida de dezenas de sertanejos do norte goiano. A luta de Pedrinho continua, pois depois de todos estes anos, ainda, não possui o título de sua terra, mora em casa de adobe e foi ameaçado de perder o lote.

Quem conhece o agricultor Pedrinho Alves de Alencar, posseiro no PA São João, município de Palmas, pode acreditar tratar-se de mais um assentado da reforma agrária. Não se engane, pois, Pedrinho, no final da década de 70, participou da resistência e combate às ações dos grileiros da fazenda São João. Refere-se ao conflito fundiário que alarmou o Brasil nos anos de chumbo da ditadura militar. No final daquela década, Pedrinho fez parte da resistência dos camponeses do Norte Goiano contra a violência dos pistoleiros e pressões para deixar as terras, resistiram à coação por parte dos advogados inescrupulosos, à força policial a serviço dos grileiros, a lentidão do judiciário e a omissão atávica dos órgãos de terras. Como legado subsiste os resquícios daquela época, o senso autoritário que continua a permear a realidade difícil dos assentados do Projeto São João. Em que pese os riscos sempre presentes, essa história vem sendo resgatada de forma corajosa pelo líder Pedrinho.

Ele há anos vem coletando, organizando registros da trajetória de luta dos trabalhadores rurais num esforço, muitas vezes solitário, de preservar a memória dos fatos ocorridos com honestidade. Para poder algum dia revelar toda sorte de injustiça social que marcou de forma drástica as vidas daqueles posseiros. Os sertanejos de Porto Nacional, muitas vezes sem sequer saber o porquê daquilo tudo enfrentavam o conluio entre Agentes do Estado e grileiros. Tudo isso, no contexto de abandono à própria sorte e de relativo isolamento. Eles resistiram ao ideário de colonização da Amazônia, de entregar as terras aos empresários do sudeste, muito deles paulistas. 

Os pequenos posseiros de Porto Nacional organizaram-se da forma que era possível e tomaram consciência dos motivos de tanta violência. Esse período de resistência e companheirismo marcou as vidas daquelas pessoas para sempre não só pela dor, mas também pela esperança de conseguirem manter a comunidade unida na luta pela terra. O que foi possível por meio da promissora criação do sindicato de trabalhadores rurais de Porto Nacional.

Subjacente a tudo isso, o ideário da colonização da Amazônia, sob manto da falácia “terra sem homem e homem sem terra” alimentou as justificativas para desumanizar os posseiros nativos e considerar aquele espaço incivilizado. Alimentou, no mesmo prumo, o comportamento antiético dos Agentes do Estado, seja em causa própria grilando pra si, seja em conluio com indústria da grilagem, numa verdadeira “terra Nostra”. Em regra, somente após “a limpeza” é que as terras tornam-se um bom ativo para serem vendidas em mercados maiores. Porquanto, os investidores do sul e sudeste em geral não querem “sujar suas mãos”, pelo menos diretamente.

O caso da fazenda São João permite compreender melhor atuação desses personagens e o período obscuro da história relativamente recente do país. Permite obter vestígios das raízes da violência agrária contra o sertanejo no caso do Estado do Tocantins. Em regiões diversas da onde aconteceu a Guerrilha do Araguaia. Permite perscrutar o modus operandi como se utilizava os jagunços contratados por grileiros para realizarem os despejos violentos, incendiar as casas, enfim expulsar os posseiros para assim grilarem as terras, como se fosse um cangaço no cerrado. 

Os posseiros da fazenda São João após todo esse tempo, ainda, não obtiveram o título definitivo de suas posses, continuam como “eternos assentados” da reforma agrária, continuam a mercê das tentativas de grilagem de terras agora dos chamados lotes do Programa Nacional Reforma Agrária.