Na última semana foi divulgada a proposta de Reforma da Previdência elaborada pela equipe de Armínio Fraga, coordenada por Paulo Tafner, e enviada para a apreciação do presidente recém-eleito, Jair Bolsonaro. Trata-se de uma revolução no sistema previdenciário atual, pois tal proposta prevê uma economia três vezes maior em 10 anos que a atual reforma realizada pela equipe do presidente Michel Temer.
A questão mais grave e alarmante da proposta foi a de retirar a regra previdenciária da Constituição Federal, pois ela sendo amparada por lei infraconstitucional suas alterações se tornam muito menos formais, ou seja, necessitarão de menor rigor para mudanças e, assim poderia facilitar a retirada de direitos sociais e benefícios de segurados do INSS.
É evidente que a Previdência atual precisa ser reformada, pois a expectativa de vida do brasileiro aumenta anualmente. Entretanto, é necessário um grande estudo social, além do atuarial, em conjunto com um extenso debate com os entes que representam a classe trabalhadora. É importante lembrar que a Previdência Social possui como norte, garantido pela Constituição Federal, o amparo ao cidadão em momento de necessidade, seja este pela idade ou por condição de saúde.
A reforma previdenciária necessita de estudo, uma análise aprofundada das questões sociais de um Brasil tão desigual.
O estudo da equipe de Fraga têm pontos positivos, como a extinção da DRU (Desvinculação de Receitas da União), que retirava 30% das contribuições sociais e destinava estes valores para outras finalidades que não compreendiam a Previdência Social. Uma jogada acertada, pois a Previdência, como garante o Governo Federal, está com grandes rombos financeiros e ainda tem o seus recursos drenados para outros fins. Outro ponto essencial é a unificação do regime geral ao regime próprio, pois existem privilégios previdenciários que são desproporcionais a realidade do sistema aplicado à iniciativa privada.
Bom, infelizmente de positivos vemos apenas estes dois pontos, pois, no mais, a proposta de Armínio Fraga é de retrocesso atrás de retrocesso.
O primeiro: a idade mínima para se aposentar seria de 65 anos. Isso significaria o fim da aposentadoria por tempo de contribuição, que é uma importante conquista social do trabalhador que custeia o regime por mais de 30 anos (mulher) e 35 anos (homem). Ou seja, a primeira perda de um direito social. Além disso, a idade mínima para aposentadoria de 65 anos impedirá que milhões de trabalhadores no país tenham o direito de se aposentar no futuro. Explico. Por exemplo, a cidade de São Paulo, onde em bairros de periferia o jovem entra cedo no mercado de trabalho e começa a contribuir mensalmente para o INSS, porém a expectativa de vida nestes locais não chega aos 60 anos. Já em bairros nobres, o jovem entra mais tarde no sistema previdenciário e a expectativa de vida supera os 80 anos. É justo contribuir por longas décadas e infelizmente não atingir a idade necessária para se aposentar?
Assim, o pobre se torna apenas um sujeito de obrigações e não de direitos, pois por dados objetivos, enquanto os mais favorecidos financeiramente custearão por menos tempo e receberão por um período maior.
Não podemos comparar nossa realidade com países de primeiro mundo, pois aumentar a idade mínima para 65 anos aumentaria vertiginosamente o número dos benefícios por incapacidade concedidos, em razão da idade avançada para trabalhar em condições costumeiras do nosso Brasil. Seria o famoso "cobrir um santo e descobrir o outro".
Outro ponto revolucionário e perigoso é a proposta de sistema de capitalização previdenciário. Tal sistema é excelente para os bancos, que utilizarão por décadas o dinheiro do trabalhador e obterão lucros astronômicos, pois irão trabalhar com o dinheiro, mas não para o segurado. Basta ver a situação de um país vizinho que utiliza o sistema: Chile. Lá ficou constatado na prática que se trata de uma utopia doutrinária, ou seja, é boa apenas nas folhas de livros, pois, na prática, 90,9% dos aposentados chilenos estão recebendo metade de um salário mínimo local. Como sobreviver com metade de um mínimo? O próprio nome já denuncia que é impossível, criando uma população de necessitados. Esse sistema se mostrou equivocado a longo prazo, pois hoje os trabalhadores começam a colher os valores pagos neste regime e as aposentadorias são baixas. E a curto prazo é um erro grave, visto que a receita da Previdência irá diminuir (lembra que o dinheiro vai para os bancos?). A Previdência continuará pagando benefício e a arrecadação vai cair.
A PEC 287 elaborada pela equipe de Michel Temer já tirava o sono da população por desmontar o sistema de proteção social garantido pela Constituição de 1988, agora essa nova proposta é a devastação de qualquer amparo ao seu povo. Nenhum país civilizado pode abrir mão de proteger o trabalhador, que luta bravamente por décadas para obter uma velhice digna.
O texto da equipe de Fraga também traz a chamada Renda Básica de Cidadania, que substituirá o BPC/LOAS, no qual todo cidadão com mais de 65 anos terá direito a uma renda mensal de 70% do salário mínimo. Como dito acima: mínimo é mínimo. Como alguém hoje custeia seus gastos mensais com 70% do que já é mínimo? Uma pessoa com mais de 65 anos, além dos gastos rotineiros, tem despesas extras, dentre eles os medicamentos. Não existe como sair de um estado de miserabilidade obtendo uma renda inferior ao salário mínimo, isso fere diretamente a dignidade do cidadão.
O sistema previdenciário brasileiro precisa que haja a abertura de sua caixa preta: mostrar o que gasta, o que arrecada, as isenções, os devedores, etc. Existem sérias teses de doutorado que comprovam uma previdência superavitária (que arrecada mais do que gasta) e também o estudo do governo que a demonstra como deficitária. Qual está correto? Não saberemos sem a abertura destas contas. É urgente que estes valores sejam revelados para que se faça um estudo de reorganização do sistema previdenciário.
É possível atingir o equilíbrio das contas da Previdência com a retomada de empregos, formalização de todas as atividades econômicas, ampliação da capacidade de arrecadação e combate à sonegação. O esquadrão formado pelo novo governo é capacitado para nos fazer crescer, estamos bem representados e o mundo volta a enxergar o Brasil com bons olhos. Porém, é necessário olhar os anseios e necessidades do cidadão e pensar nas futuras gerações, que não merecem colher um fruto tão amargo.
A nossa esperança é que a equipe de Jair Bolsonaro reflita sobre as propostas de Reforma de Previdência e produza um estudo do impacto social, análise real da situação financeira do sistema previdenciário e debate com os representantes dos trabalhadores. A ideia é uma reforma que seja mais justa social e economicamente, pois a aprovação da proposta de Armínio Fraga será o maior retrocesso social que um governo pode deixar como legado ao seu povo.
*João Badari é especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados