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Opinião

Marcelo Aith é advogado especialista em Direito Público

Marcelo Aith é advogado especialista em Direito Público Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Marcelo Aith é advogado especialista em Direito Público Marcelo Aith é advogado especialista em Direito Público

O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6574), com pedido de liminar, requerendo que a perda do mandato por infidelidade partidária, prevista no artigo 22-A da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995), na redação dada pela Lei 13.165/2015, se aplique também aos detentores de mandato eletivo majoritário que se desliguem sem justa causa da agremiação pela qual foram eleitos.

O principal argumento utilizado é que o financiamento de campanhas provém, em sua quase totalidade, de recursos públicos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, calculados de acordo com o desempenho do partido nas eleições proporcionais. Para o PSDB, se o candidato utilizou recursos desses fundos, ele deve fidelidade ao partido que investiu em sua candidatura.

A Constituição da República, em seu artigo 17, §1º, que “É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária”.

O artigo 25 da Lei dos Partidos estabelece que “O estatuto do partido poderá estabelecer, além das medidas disciplinares básicas de caráter partidário, normas sobre penalidades, inclusive com desligamento temporário da bancada, suspensão do direito de voto nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na respectiva Casa Legislativa, ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos partidários”.

José Jairo Gomes estabelece que a fidelidade partidária “confere novos contornos à representação política, pois impõe que o mandatário popular paute sua atuação pela orientação programática do partido pelo qual foi eleito”. José Afonso da Silva “A fidelidade partidária pode ser entendida como acatamento das diretrizes e dos objetivos partidários por parte do filiado”. Portanto, o instituto da fidelidade partidária consiste na obrigação do filiado obedecer às diretrizes programáticas e não abandonar a legenda pela qual foi eleito, sob pena de perda do mandato eletivo.

O Supremo foi instado a analisar a Resolução 22.610/07, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que disciplina o processo de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária dos detentores de mandato proporcional (deputados e vereadores). O STF por 9 votos a 2 declarou a constitucionalidade da resolução do TSE.

O sistema proporcional é adotado para a eleição de Vereadores, Deputados Estaduais e Deputados Federais. Pelo sistema proporcional, o número de cadeiras que cada partido terá na Casa Legislativa relaciona-se à votação obtida na circunscrição. Com efeito, o eleitor escolhe um candidato da lista apresentada pelo partido (não é possível candidatar-se sem filiação a um partido), não havendo ordem predeterminada dos que serão eleitos, como ocorre no sistema de lista fechada. A ordem de obtenção das cadeiras pelos candidatos é ditada pela votação que individualmente obtiveram. Porém, o sucesso do candidato dependerá, de modo decisivo, da quantidade de votos que o partido ao qual ele está filiado recebeu.

O total de votos válidos recebidos por todos os candidatos e partidos é dividido pelo número de cadeiras a preencher. Esse resultado corresponde ao denominado quociente eleitoral. Se um partido não obtiver número de votos pelo menos igual ao quociente eleitoral, não elegerá nenhum candidato. O passo seguinte é dividir o número de votos obtidos por cada partido ou coligação partidária pelo quociente eleitoral. Esse resultado corresponde ao quociente partidário e equivale ao número de candidatos eleitos pelo partido. A ordem de preferência dos candidatos é determinada pelo eleitor, na medida em que obterão as cadeiras os candidatos individualmente mais votados no partido, até o limite do quociente partidário. Ou seja: para eleger-se, o candidato depende dos votos obtidos pelo partido (quociente partidário) e de sua votação própria.

Diversamente é o sistema majoritário (presidente da República, governadores, senadores e prefeito), na medida em que dependerá exclusivamente dos votos do candidato e não da agremiação.

O Supremo, analisando a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.081-DF, promovida pela Procuradoria Geral da República, decidiu a questão, nos seguintes termos: “O sistema majoritário, adotado para a eleição de presidente, governador, prefeito e senador, tem lógica e dinâmica diversas da do sistema proporcional. As características do sistema majoritário, com sua ênfase na figura do candidato, fazem com que a perda do mandato, no caso de mudança de partido, frustre a vontade do eleitor e vulnere a soberania popular (CF, art. 1º, par. ún. e art. 14, caput)”.

Após esse julgamento, a Lei dos Partidos foi alterada (Lei 13.165, de 29 de setembro de 2015) para incluir o artigo 22-A, que assim dispõe: “Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito”. O parágrafo único, do mencionado artigo, traz as hipóteses de justa causa: a) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; b) grave discriminação política pessoal; e c) mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.

Observa-se que o referido dispositivo não faz qualquer distinção entre mandato obtido pelo sistema proporcional ou majoritário, aplicando-se ao “detentor de cargo eletivo”, independentemente de sua natureza. Pautando-se nesse entendimento o PSDB manejou a ADI 6574.

Cumpre ressaltar que o TSE, desconsiderando a inovação legislativa, editou a Súmula 67, no sentido da decisão do STF na ADI 5081/DF, nos seguintes: “A perda do mandato em razão da desfiliação partidária não se aplica aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário”.

Em que pese o artigo 22-A da Lei 9096 tenha deixado um espaço para à aplicação da infidelidade partidária também para o sistema majoritário (senador, presidente e prefeito), tal entendimento não merece prosperar.

Nesse sentido destaco trecho do voto do Ministro Roberto Barroso, relator tanto da ADI 5.081-DF, como na ADI 6574-DF, que evidencia a tendência da Corte Suprema no sentido da não aplicação da regra de fidelidade partidária ao sistema majoritário: “A soberania popular integra o núcleo essencial do princípio democrático, dessarte, não se afigura legítimo estender a regra da fidelidade partidária ao sistema majoritário, por implicar desvirtuamento da vontade popular vocalizada nas eleições. Tal medida, sob a justificativa de contribuir para o fortalecimento dos partidos brasileiros, além de não ser necessariamente idônea a esse fim, viola a soberania popular ao retirar os mandatos de candidatos escolhidos legitimamente por votação majoritária dos eleitores”. Vamos aguardar cenas dos próximos capítulos.

Marcelo Aith é advogado especialista em Direito Público e professor convidado da Escola Paulista de Direito