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Opinião

Foto: Divulgação

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Genocida, conforme os principais dicionários de língua portuguesa, é um substantivo masculino e feminino que significa pessoa que ordena ou é responsável pelo extermínio de um grande número de pessoas em um determinado período de tempo. Ou pode ser entendido por aquele ou aquela que que produz genocídio, aniquilando grupos humanos através da utilização de diferentes formas de extermínio. A palavra genocida deriva da junção do prefixo geno -"tronco, família", e do sufixo cida - "que mata, extermina". Entre os sinônimos de genocida estão as palavras: assassino, homicida e facínora. Trata-se de uma palavra que ganhou uma conotação política com o avanço da pandemia da Covid-19. Ela está sendo imputada, principalmente, ao presidente Jair Bolsonaro que está sendo criticado diariamente por sua postura negacionista em relação ao agravamento da doença no país e ao consecutivo recorde de mortes nos últimos meses.

Diversas figuras públicas e políticas brasileiras estão, nos últimos dias, utilizando o termo como um adjetivo para o atual presidente. O termo foi usado pelo governador do Estado de São Paulo, João Doria, pelo ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, por alguns jornalistas de veículos de comunicação de massa e também pelo youtuber Felipe Neto, que chegou a ser intimado pela Polícia para prestar depoimento no Rio de Janeiro, após chamar Bolsonaro de genocida nas redes sociais.

No caso do youtuber, a investigação foi aberta pela Polícia Civil a pedido do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente. Entretanto, a juíza Gisele Guida de Faria, da 38ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, suspendeu a investigação. As acusações imputadas a Felipe Neto foram: violação da Lei de Segurança Nacional e também do Código Penal, por calúnia. Contudo, a m magistrada viu ‘flagrante ilegalidade’ na investigação, ressaltando que o delegado Pablo Dacosta Sartori, responsável pela abertura do procedimento, não teria atribuição para cuidar do caso – que seria da Polícia Federal. Segundo a juíza, a apuração sequer poderia ter sido iniciada, pois somente uma requisição do Ministério Público, de autoridade militar responsável pela segurança interna ou do Ministro da Justiça poderia ser o ponto de partida do procedimento investigatório.

Importante destacar que, no Brasil, o genocídio foi reconhecido como crime a partir da Lei no. 2.889 de 1956. O caso mais famoso, em termos de repercussão internacional de um genocídio julgado no Brasil, diz respeito ao chamado “massacre de Haximu”, cometido por garimpeiros contra a população indígena Yanomami. Foram dois ataques, entre os meses de junho e julho de 1993, nos quais os garimpeiros cercaram um acampamento indígena armados de facões, espingardas e revólveres, mutilando e assassinando 16 pessoas, entre elas, adolescentes e crianças.

Para configurar crime de genocídio os fatos imputados ao individuou ou grupo deve se encaixar em uma das condutas previstas no artigo 1º da Lei 2889/56, que assim dispõe:

“Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:  (Vide Lei nº 7.960, de 1989)
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
e) efetuar a transferência forçada de crianças
do grupo para outro grupo;”
(...)
“Art. 3º Incitar, direta e publicamente alguém a cometer qualquer dos crimes de que trata o art. 1º:  (Vide Lei nº 7.960, de 1989)
Pena: Metade das penas ali cominadas”.

Analisando o tipo descrito no artigo 1º, observa-se que o indivíduo deve agir com a intenção de destruir pessoas ou grupos específicos. Dessa forma, para que a conduta imputada ao Presidente Bolsonaro configurasse genocídio há que restar demonstrado a vontade livre e consciente do Chefe do Poder Executivo de exterminar no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Não vislumbro, assim, que a conduta inepta e inconsequente do Presidente configure o crime de genocídio.

Não se pode negar que a política adotada pelo Governo Federal no combate da pandemia, especialmente com o ingresso do general Pazuello na pasta da saúde, é absolutamente desastrosa, impropria e geradora, consequentemente, da aceleração do caos e das mortes. Não há dúvida que o Presidente e o ex-ministro Pazuello responderão pelos atos negligentes e ímprobos cometidos na gestão da crise. No entanto, com os elementos que temos hoje, não há como imputar ao presidente a prática do crime previsto na Lei 2889/56.

Não configurando o crime de genocídio, há crime contra honra do presidente chamá-lo de genocida? Acredito, firmemente, que não, haja vista a política ineficiente e inconsequente adotada pelo Governo Federal.

*Marcelo Aith é advogado especialista em Direito Público e professor convidado da Escola Paulista de Direito (EPD).