Ao gerar crises, o presidente Jair Bolsonaro tenta
invariavelmente criar narrativas que encubram os erros de seu governo. A mais
recente é flertar com a ruptura institucional, sugerindo ações que passam por
medidas que podem suprimir direitos democráticos, justificando que está
preservando liberdades individuais. Nada mais prosaico no manual da autocracia:
golpear o sistema alegando que está preservando liberdades.
Vivemos um período delicado, que se tornou ainda mais difícil diante da inépcia
de Bolsonaro. Ao negar a pandemia e se tornar refém de suas próprias ideias
obscuras, o presidente preferiu não investir em vacinas com antecedência,
preferindo patrocinar um suspeito tratamento precoce sem qualquer eficácia.
Hoje, diante de uma vacinação lenta, o país fornece sinais de fadiga e
desesperança.
Tudo indica que Bolsonaro possa estar jogando na retranca por método, semeando
o caos para ali na frente colher resultados. Desestabilizar o jogo faz parte de
uma intricada jogada que aposta no desgaste da economia e avanço da pandemia,
podendo impulsionar manifestações, desalento e revolta. Em outras palavras,
convulsão social. Um método líquido e certo para solicitar intervenção ao
parlamento por meio dos instrumentos constitucionais amargos que suspendem algumas
liberdades individuais.
Por mais que poucos acreditem na consecução de um enredo deste tipo, é fácil
ler nas entrelinhas os caminhos trilhados em discursos e declarações nas
últimas semanas. O fato inédito da inusitada troca no comando das Forças Armadas
abre um perigoso caminho de questionamento quanto aos reais objetivos de
Bolsonaro, uma vez que os comandantes anteriores pareciam mais fiéis aos
ditames constitucionais do que aos desejos do ocupante do Planalto.
Cada vez que um líder se torna mais fraco, mais precisa de demonstrações de
força. Bolsonaro segue acuado, caindo nas pesquisas, com a economia em
frangalhos e a pandemia cercando a inépcia de seu governo. As pesquisas
captaram esta insatisfação. 83% dos brasileiros desejam mudança, o que
demonstra que o governo escolheu os rumos e as amizades erradas. O estelionato
eleitoral está cristalino para o eleitor.
Diante disso, a fantasia do autogolpe é um delírio que acalma Bolsonaro nas
horas mais difíceis, assim como o exercício do poder de nomear e demitir, além
de mandar homens do mais alto grau hierárquico das Forças Armadas (carreira
onde fracassou) para a reserva. Há algo de revolta, revanchismo e amargura
nestes movimentos. Delírios que se misturam com o poder da caneta presidencial.
Somos presididos por um homem em conflito, perseguido por seus próprios
fantasmas e suas teorias de conspiração. Enquanto o país busca a saída de uma
crise sanitária de proporções globais, a inoperância de um governo perdido
busca encobrir seus erros gerando novas e sucessivas crises. A fantasia de um
autogolpe serve de forma perfeita para aqueles que vivem alheios à realidade,
trancafiados em seu próprio mundo, enquanto o povo sofre as consequências de
seus delírios. Um enredo que nunca terminou bem e por aqui certamente terá um
triste desfecho.
Márcio Coimbra é coordenador da pós-graduação em Relações
Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília,
Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007).
Ex-Diretor da Apex-Brasil. Diretor-Executivo do Interlegis no Senado Federal.