Acompanho com interesse e entusiasmo estudos científicos que apontam que a cada dia mais pessoas são candidatas a figurar no grupo dos centenários. Há no Brasil, segundo estimativas, mais de 10 mil homens e mulheres que ultrapassaram a marca dos 100 anos. Confesso que não tenho tal pretensão. Entre a qualidade e a quantidade, filio-me ao grupo dos que preferem a primeira opção. O ideal, para mim, seria viver com qualidade e dignidade até os 90 anos Talvez alguns minutos a mais.
Pessoalmente não creio que eu chegue a tanto. Mas vou tentar. Tabu no ocidente, a temática da morte tem sido evitada, demonizada. Morrer significa deixar de produzir, deixar de ser útil. Um delito dentro da nossa sociedade regida pelo cajado do capitalismo. O que deveria ser um direito tornou-se um dever. Somos obrigados a viver, mesmo contra a vontade. Em nome do capitalismo, para qual toda vida que produz é sagrada, e do cristianismo, para qual a vida é um dom de Deus, diversas pessoas são submetidas a sofrimentos e torturas desnecessárias.
A eutanásia é considerada crime no Brasil e na maioria dos países. Pessoalmente sou amplamente favorável. Não vejo qualquer sentido em manter um doente terminal ligado a aparelhos, sem qualquer esperança de vida. Estudo norte-americano recente, feito apenas com médicos, mostra que quando o assunto é a própria morte, eles não têm dúvidas: não querem ser ressuscitados nem entubados. Conhecem como ninguém os limites do corpo humano e da medicina, por isso não veem sentido em ser submetidos aos horrendos métodos que são obrigados a aplicar a seus pacientes.
Há muita coisa em jogo. Inclusive o fator financeiro. Estudos apontam que um paciente terminal de câncer, por exemplo, chega a gastar até 30% do que acumulou em toda a vida apenas no último mês de tratamento. Comungo do mesmo pensamento dos médicos. Não quero ser ressuscitado. Não quero virar um vegetal entubado. Não tenho ambição que uma enfermeira me ajude a fazer minhas necessidades. Não almejo extrema unção nem rever no leito de morte os ideais que defendi em vida. Meu ideal seria morrer nos braços da mulher amada, rodeado pelos filhos e amigos. No repouso do lar. Longe da frieza e do profissionalismo de um hospital.
Não posso negar os avanços da medicina. A capacidade de prolongar a vida. De curar doentes. Tudo isso tem possibilitado que pessoas vivam até os 90 anos. Até os 100. Mas há casos irreversíveis, há casos terminais. Há a impotência da ciência diante da finitude da vida. É preciso respeitar os limites do corpo humano. Como disse Rubem Alves, o corpo precisa descansar como uma música não tem necessidade de ser tocada eternamente. Tudo carece de um fim. O que podemos desejar é que haja dignidade na partida. Não sei como nem quando vou morrer. Não sei se por câncer, por acidente ou por qualquer outra desculpa. Não sei se será na próxima semana ou em alguma semana de 2070. O que imagino que esteja sob meu comando é a forma como posso conduzir minha vida até lá. Ganhando o pão de cada dia de forma digna, amando e sendo amado, emitindo minha opinião sobre as coisas, sendo justo com meus semelhantes, conhecendo lugares interessantes, sendo feliz, enfim, eis a ambição maior.
Não sei o que vem depois da morte. Se é que vem alguma coisa. Para mim, honestamente, tanto faz. Minha preocupação é com o que me é palpável. A grande magia é a vida, aqui e agora. O milagre se resume a isso para mim. Em caso de um diagnóstico terminal não tenho dúvidas de que iria dispensar a inglória e inútil batalha de um hospital e suas mazelas. Minha opção será sempre a vida. Acho muito mais atraente, viver ao lado dos meus, no aconchego do lar, poucos, mas valorosos dias, sem um sofrimento desnecessário. Morrer não é uma tragédia. É apenas a última etapa de um ciclo. É a libertação, é a magia de deixar de ser. Com as esperanças de glórias transcendentais ou com os castigos eternos. Ou simplesmente, o túmulo como rota final. Não importa. Sem dignidade não há glória.
*Anderson Alcântara é jornalista, escritor, biógrafo e autor de três livros