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Opinião

Foto: Divulgação

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Conta a história que a mãe de D. João VI, a rainha Maria I, conhecida pela insanidade mental, manifestada após a morte do filho, costumava passear às margens do rio Carioca, no então bairro de Águas Férreas. Tratada como louca, era levada por suas damas de companhia, originando a expressão popular: Maria vai com as outras. Que hoje designa pessoa influenciável, manobrada, sem ideias próprias.

Há poucos dias, para justificar a razão pela qual o Partido dos Trabalhadores não deve se aliar a outros partidos na organização de manifestações contra o governo, Lula disse que o partido não pode ser “maria vai com as outras”. O sempiterno mandão do PT apenas atesta a sentença que, por décadas, tem sido o lume do petismo: “primeiro, eu; segundo, eu; terceiro, eu”. O PT não tem jeito. Continua a se considerar um território sem mácula, povoado por castos e puros, jamais vestindo a couraça larga da corrupção, desvendada pela Operação Lava Jato. E como sabe tirar proveito das ocasiões.

Veja-se o favoritismo de Luiz Inácio, nesse pior momento do governo Bolsonaro, alvo da indignação social que cobra vacinas e melhor gestão da pandemia. Solto por decisão do STF, parece vítima de uma trama engendrada para condenar o lulopetismo, que novamente se arvora como a Salvação da Pátria, desfraldando as bandeiras da Justiça, Liberdade e Democracia. É tudo que o atual mandatário-mor deseja, por saber que a polarização entre as duas bandas – a extrema esquerda e a extrema direita – acabará por beneficiá-lo, bastando para tanto uma economia recuperada na proximidade de outubro de 2022. Lula não quer que o PT siga o rumo dos demais partidos, mas gostaria que as massas fossem “gado de mais” na caminhada petista.

Nesse ponto, voltemos ao “maria com as outras” que abre este texto. Tanto o lulismo como o bolsonarismo sabem que o cabo-de-guerra a ser puxado pelas alas contrárias será imã para atrair um eleitorado sem rumo, sem autonomia, disposto a integrar um dos dois exércitos e, deste modo, fechar a oportunidade para uma candidatura que represente verdadeiro compromisso de mudança, de harmonia e equilíbrio, de bom senso e abertura de horizontes.

Confiar na mudança de postura de Bolsonaro? Confiar em um PT como partido de centro, como hoje prega Lula? Lorota. Nem um nem outro mudarão suas identidades, forjadas no embate das e no maquiavelismo mistificador que embala suas posições no arco ideológico.

É razoável apostar na racionalidade que tem transferido o voto do coração para a cabeça. Racionalidade que aumenta com a sensação do déjà vu, da velha briga, das linguagens chulas que têm sujado as páginas da política, enfim, da sensação de que o país patina, mas não sai do lugar.

É triste constatar que o preceito de John Stuart Mill, em Considerações sobre o Governo representativo, continua iluminando as cabeças ignaras de nossas plagas: há cidadãos ativos e cidadãos passivos, e os governantes preferem os segundos, porque podem transformá-los em um bando de ovelhas acostumadas a pastar o capim, uma ao lado da outra, e a não reclamar mesmo que, de vez em quando, o capim seja escasso. Haja Bolsa Família.

Só mesmo uma revolução pela educação conseguirá alargar os horizontes de um amanhã próspero e mais feliz. Enquanto vivermos sob regime de bolsas, prêmios, recompensas, toma lá dá cá, grupismo, neocoronelismo, nossas raízes continuarão amarradas ao status quo. Rebanhos comendo capim sob a sombra do Estado, levadas de um lado para outro, tocadas pelo cajado de guias ambiciosos, jamais terão autonomia e independência. A única alternativa para sair dos currais é a semente de uma educação libertadora e vitalizante.

Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político Twitter@gaudtorquato.