Não há qualquer novidade dizer que o Direito visto do ângulo dos textos legislativos é sempre um maratonista em último lugar na prova. O sentido de tal afirmação se espraia na obviedade de que sua função é regular as “relações entre humanos”, e isso só há de acontecer se perpassadas as seguintes etapas: 1) o surgimento de novas formas de relação; 2) que essas relações criem expectativas diferentes entre os humanos ao que poderíamos chamar de certo ou errado como atitude e postura das partes envolvidas; 3) a existência de dissensos dessas relações capazes de abalar o seio social.
Noutras palavras, o conteúdo legislativo é formado, ou ao menos deveria ser, a partir da necessidade dos fatos antagonizados pelas relações intersubjetivas dos humanos.
Entretanto, a volatilidade da convivência entre humanos na pós-modernidade possui como medida de tempo o instante, ou seja, o Direito (enquanto sistema de leis de regulação de atos da sociedade) não está mais em último lugar na maratona, ele sequer consegue dar a largada antes que inúmeras alterações de relacionamento se apresentem e que claramente necessitam de positivação.
Esse contexto atual tem uma miríade de implicações, entre elas, a própria postura humana perante uma gama de hipóteses de atitudes possíveis em determinada relação jurídica que por diversas vezes é objeto de mutações factuais instantâneas, diárias ou mensais em razão da alteração vultosa da medida do tempo dos acontecimentos a que estamos todos nós submetidos.
Em apertada síntese, diríamos que o tempo dos fatos nos torna escravos do próprio tempo, fazendo com que não possamos ter a medida de tempo necessária para uma reflexão sobre determinada atitude antes que outro fato se sobreponha àquele primeiro. Apenas para exemplificar é como se você desse uma daquelas topadas com seu dedinho menor do pé numa quina, e antes que a dor passasse sobreviesse novamente uma contusão com o cotovelo em sua mesa de jantar.
Observe-se que não há tempo para curar uma ferida ou mesmo passar o momento de dor antes que outra contusão aconteça. Ora, no campo das ideias ou mesmo dos sentimentos, o tempo também se revela com o mesmo nível de importância.
É necessário que se tenha tempo para que se dê significado às coisas, aos objetos, às relações, sejam elas de trabalho ou de qualquer outra modalidade. Não foi à toa que filósofos e estudiosos da psique reconheceram que o inconsciente guarda também momentos não vividos ou não vividos por inteiro. Essa ausência de tempo, principalmente com a dedicação praticamente exclusiva ao trabalho, sem desconectar, com a disrupção da própria família e de amizades que nos são tão caras, acabam nos fazendo um “não consciente” das nossas atitudes.
E se nos tornamos um não consciente, humanos “automatizados”, o desgosto pelo viver irá se apresentar das mais variadas formas, principalmente em doenças psíquicas que já assolam o mundo do trabalho de uma forma absolutamente assustadora.
A expressão “ter foco” tão utilizada no âmbito empresarial do trabalho não pode ser subvertida à ignorância dos arredores da vida. Aqui é necessário colher a lição de vida do filósofo Espinoza que polia lentes enquanto refletia, ou seja, metaforicamente ajustando o foco do seu material de trabalho jamais ignorou a vizinhança dos acontecimentos. Criar leis no automático ou vivê-las sem a necessária reflexão é um desafio a ser superado pela sociedade, principalmente ao se tratar das relações de trabalho. Se criamos a inteligência artificial que grosso modo estuda “o pensar de como pensamos”, deixemos essa função para as máquinas!
Ricardo Pereira de Freitas Guimarães é advogado, especialista, mestre e doutor pela PUC-SP, titular da cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e professor da especialização da PUC-SP (COGEAE) e dos programas de mestrado e doutorado da FADISD-SP.