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Estado

Enquanto o setor rural prepara-se para o lançamento do Plano Safra 2022/2023 por parte do Ministério da Agricultura, um levantamento realizado pelas pesquisadoras Leila Pereira e Priscila Souza, do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio), revela dados importantes sobre a situação de fontes de financiamento relevantes para o setor rural brasileiro, os Fundos Constitucionais de Financiamento (FCFs), que têm foco nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Segundo o estudo lançado nesta segunda-feira (7.03), as priorizações por porte do beneficiário e localidade incluem praticamente todos os produtores.

Utilizando o Censo Agropecuário de 2017, as pesquisadoras verificaram que 99,96% dos estabelecimentos nas regiões dos FCFs possuem receitas de atividades agropecuárias que os enquadra como beneficiários prioritários, que são aqueles classificados até pequeno-médio porte, ou seja, os que possuem renda bruta anual até R$ 16 milhões.

Apesar de regras estabelecendo classes prioritárias de beneficiários estarem aparentemente alinhadas com os objetivos de tratamento preferencial a pequenos e micro produtores e de redução das desigualdades, critérios frouxos para elegibilidade nessas classes fazem com que não exista priorização real na alocação dos recursos. Em outras palavras, as prioridades não priorizam.

Uma comparação com o Manual de Crédito Rural (MCR) do Banco Central mostra como os critérios de concessão dos recursos dos FCFs divergem daquilo que é praticado nas demais fontes de financiamento da agricultura brasileira.

Os FCFs foram criados como instrumentos para o desenvolvimento e a redução das disparidades regionais de renda. A lei 7.827/1989, que instituiu os fundos, determina que o objetivo principal destas ferramentas é o de contribuir para o desenvolvimento econômico e social das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste mediante a execução de programas de financiamento aos setores produtivos.

Para isso, os recursos devem ser preferencialmente direcionados às atividades produtivas de pequenos e miniprodutores rurais e devem apoiar a criação de novos centros, atividades e pólos dinâmicos, notadamente em áreas interioranas, que estimulem a redução das disparidades intra-regionais de renda.

Não é o que acontece na prática, conforme o estudo do CPI, já que as regras para direcionar recursos para pequenos produtores e localidades menos desenvolvidas deixaram de ser efetivamente atendidas, ao longo do tempo, por conta do afrouxamento dos critérios de definição das prioridades.

Crédito Rural

As políticas de crédito rural são instrumentos fundamentais para o desenvolvimento da agropecuária brasileira, estimulando a produtividade da terra, o que reduz as pressões por desmatamento. Somente no ano agrícola de 2020/21, os FCFs destinaram R$ 8,5 bilhões, R$ 7,6 bilhões e R$ 6,8 bilhões para os setores rurais do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO) e Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), respectivamente.

O direcionamento da política de distribuição dos recursos provenientes dos FCFs está sob responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). Quem define as regras anuais de concessão desses recursos, no entanto, são os conselhos deliberativos das Superintendências Regionais de Desenvolvimento, autarquias vinculadas ao MDR e compostas por diversos atores, tais como representantes de diversos ministérios, membros dos Poderes Executivos federal, estaduais e municipais, entidades representativas de setores econômicos, entre outros.

De acordo com a pesquisadora Leila Pereira, o afrouxamento das definições de classes prioritárias de beneficiários ano após ano tornou mais difícil a priorização de pequenos produtores em municípios com maiores dificuldades de acesso a crédito. “Hoje, apesar da enorme relevância que os recursos dos FCFs têm para municípios mais pobres e beneficiários prioritários, não está claro que o volume de recursos destinados a esses beneficiários seja suficiente para promover o desenvolvimento econômico e social. Uma parte importante dos recursos está beneficiando produtores maiores em localidades mais desenvolvidas, uma vez que as regras contemplam quase a totalidade das regiões do FCF”, acrescenta.

Segundo ela, dada a multiplicidade de regras, que inclui diversos portes de beneficiários, tipos de municípios, limites de financiamento etc, o ideal é que haja uma simplificação da política. Isso auxiliaria tanto na tarefa de melhor aplicar e direcionar os recursos quanto no desafio de compreender e avaliar o direcionamento da política. 

Outro ponto verificado pelas pesquisadoras durante o estudo é que o valor médio dos contratos de crédito dos FCFs vem crescendo, com aumento expressivo desde o ano agrícola de 2017/18. Essa concentração dos recursos dos FCFs é facilitada pelas definições abrangentes de prioridades, tanto em termos de porte de produtores como de municípios favorecidos.

Entre os anos agrícolas de 2013/14 e 2020/21, por exemplo, os 5% municípios que mais tomaram crédito rural dos FCFs concentraram, em média, 41% dos recursos do FNE, 36% dos recursos do FNO e 24% dos recursos do FCO. Essas proporções são superiores às proporções desses municípios no valor da produção, indicando maior acesso a financiamento. Adicionalmente, no FNO e no FCO, o percentual que os produtores de menor porte detêm do crédito dos FCFs é menor do que a fração que eles detêm do valor da receita agropecuária, indicando a falta da priorização efetiva dos recursos.

O levantamento do CPI também lança luz sobre a necessidade de mensurar a efetividade dessa política de crédito rural para atingir os objetivos de redução da pobreza e das disparidades regionais de renda brasileiras. “É importante comparar os impactos e a efetividade da política de crédito subsidiado com a de políticas públicas de combate direto à pobreza e à perpetuação de desigualdades”, diz trecho do estudo.

Para acessar a íntegra do levantamento do CPI, clique aqui.