O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou no último dia 7 de dezembro o julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental 850, 851, 854 e 1.014, ajuizada pelo Cidadania, PSB, PSOL e PV, contra as chamadas emendas de relator, popularmente conhecida como “orçamento secreto”.
Os partidos afirmaram que as referidas emendas serviram de “moeda de troca” entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional. Sustentaram, ainda, a absoluta falta de transparência, na medida em que não se sabe qual parlamentar foi beneficiado e qual o município ou estado destinatário dos recursos, o que estaria na contramão dos princípios constitucionais da administração pública, em especial os princípios da publicidade e da impessoalidade, previstos no artigo 37, caput, da Constituição.
O PSB argumentou que "A alocação de dezenas de bilhões de reais sob a rubrica de emendas do relator não tem outro objetivo se não a burla da distribuição isonômica dos recursos públicos e da publicidade orçamentária". Além de defender que o modelo foi "desvirtuado", sem "quaisquer critérios de distribuição e de identificação dos valores".
Já o PSOL afirmou que as emendas de relator são, em si e por si, inconstitucionais, uma vez que permitiram "o uso da execução orçamentária como instrumento de barganha e troca de apoio político". "Degradou-se um pouco mais as relações entre Executivo e Legislativo pois o modus operandi denota a existência de prévios e espúrios acordos políticos para a execução de emendas", afirmou o partido.
O PV também destacou que as emendas de relator são inconstitucionais e que não houve "clareza, transparência, livre acesso, rastreabilidade e organicidade" à execução das suas despesas.
Importante destacar que a ferramenta é controlada pelas cúpulas da Câmara e do Senado e se transformou na principal arma política do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para manter sua grande influência sobre deputados.
Em novembro de 2021, a ministra Rosa Weber, em decisão cautelar, determinou que o Congresso compartilhasse todas as informações referentes às emendas de relator, em particular os parlamentares que solicitaram os repasses de verbas aos destinatários. O plenário do Supremo Tribunal Federal confirmou a decisão por 8 votos a 2.
Em cumprimento à determinação do STF, o Congresso, em maio deste ano, encaminhou documentos. Todavia, desafiando o comando exarado na decisão da Suprema Corte, o material encaminhado permaneceu sem dar a devida e esperada transparência e rastreabilidade dos recursos público, uma vez que continuou a omitir os beneficiários do orçamento secreto.
A Constituição estabelece a necessidade de que os atos administrativos, como são os atos da Presidência República determinando os empenhos das emendas parlamentares, sejam praticados com transparência, impessoalidade, moralidade e eficiência. Não se olvidar que são recursos públicos e não privados de quem está a ocupar o cargo de Presidente.
A ausência de transparência, na espécie, é inquestionável, na medida em que não se sabe nada sobre a emenda do relator, ou seja, não se tem ciência de qual parlamentar foi contemplado com a emenda, bem como não se sabe qual o ente público recebeu a emenda. Como exercer o controle da efetiva aplicação dos recursos públicos diante dessa obscuridade?
Em relação à impessoalidade das emendas do relator, decorre do favorecimento de poucos apaniguados do Planalto. Os deputados e senadores que apoiam o atual governo foram os beneficiados do “orçamento secreto”.
A imoralidade da prática está no “toma lá dá cá”. Em troca de apoio político o Governo fez uma verdadeira derrama de dinheiro.
A falta de eficiência pode ser demonstrada, por exemplo, com o estarrecedor caso do município de Igarapé Grande. As investigações em relação ao referido município do Maranhão apontam esquema de desvio de verba do orçamento secreto. A prefeitura, em prestação de contas, declarou que foram feitas 385 mil consultas especializadas, em um ano, no município, que tem 11 mil moradores. Surreal para dizer o mínimo!
Diante dessa escandalosa afronta à Constituição, qual será o destino das ADPFs? Oxalá o Supremo tenha sabedoria e prudência ao julgar as ações.
*Marcelo Aith é advogado, latin legum magister (LL.M) em direito penal econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa - IDP, especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca, mestrando em Direito Penal pela PUC-SP, e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da Abracrim-SP.