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Opinião

Foto: Divulgação

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O presidente Jair Bolsonaro, no crepúsculo do seu mandato, concedeu indulto natalino. O indulto é um ato de perdão jurídico concedido pelo presidente da República, que extingue a punibilidade de condenados. É um importante mecanismo jurídico para reduzir a assombrosa hiper população carcerária brasileira.

Ressalte-se que não são todos os crimes que podem ser indultados. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XLIII, traz vedações à concessão do indulto para os condenados pelos crimes de tortura, terrorismo, tráfico de entorpecentes e drogas afins, e os condenados por crime hediondo.

O presidente Bolsonaro incluiu no Decreto nº 11.302, de 22 de dezembro de 2022, um enorme jabuti dentre os crimes passíveis de indulto, senão vejamos: “Art. 6°. Será concedido indulto natalino também aos agentes públicos que integram os órgãos de segurança pública de que trata o art. 144 da Constituição e que, no exercício da sua função ou em decorrência dela, tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de trinta anos, contados da data de publicação deste Decreto, e não considerado hediondo no momento de sua prática”.

Esse dispositivo é uma verdadeira “luva de mão certa” para os condenados no massacre do Carandiru, evidenciando a absoluta falta de empatia com a vida humana do presidente Bolsonaro, o que é comum em sua biografia.

Relembrar os fatos é trazer luzes à  decisão do Governo Bolsonaro em indultar os policiais militares, que em uma desastrosa intervenção da Polícia Miliar de São Paulo para conter rebelião no Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, mataram 111 pessoas presas. Um verdadeiro e horripilante mar de sangue. 

Os processos que apuraram os fatos se arrastaram por muitos anos. Boa parte desse tempo ficaram parados aguardando a definição da competência para julgar os policiais: a Justiça militar ou a Justiça comum. Ao final, em 2014, foi fixada a competência do Tribunal do Júri para julgar os acusados.

Os acusados foram condenados a penas que chegaram a 624 anos. Ressalte-se que os policiais aguardaram em liberdade o julgamento dos recursos. O Tribunal de Justiça de São Paulo, em 2016, acolheu o pedido das defesas e anulou as condenações, determinando a realização de novos julgamentos.

O Ministério Público recorreu da decisão do TJ de São Paulo. Analisando o recurso da acusação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ),  em junho de 2021, restabeleceu as condenações, reformando o acórdão da Corte paulista. 

Os policiais recorreram da decisão e, em agosto de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF), com voto de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, negou recurso e manteve a decisão do Superior Tribunal de Justiça, encerrando anos de incertezas e reviravoltas, fazendo-se justiça aos 111 mortos.

Entretanto, toda esse périplo, anos e anos de batalhas jurídicas, de idas e voltas, o Presidente da República, em uma canetada, isentou as penas dos polícias limitares que mataram 111 pessoas presas. Serem humanos que estavam a pagar suas dívidas com o Estado-Juiz. Eram pais, filhos, maridos que, violentamente, tiveram ceifadas suas vidas. O Estado devia protegê-los e não avilta-los. No entanto, o presidente preferiu favorecer os seus, em afronta ao princípio da impessoalidade que rege a Administração Pública. Além disso, é mais um bofetão na cara da sociedade brasileira, que ao longo da vida política de Bolsonaro assistiu inúmeros momentos de descaso com a vida humana. 

Indultar em situações como a prevista no artigo 6º, do Decreto 11.302/2022, é uma afronta aos mandamentos de Direitos Humanos previstos nos inúmeros instrumentos legislativos internacionais que o Brasil é signatário. Não há dúvida que o Supremo Tribunal Federal será instado a se posicionar sobre a constitucionalidade desse dispositivo. Aguardemos!

*Marcelo Aith é advogado, latin legum magister (LL.M) em direito penal econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa - IDP, especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca, mestrando em Direito Penal pela PUC-SP, e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da ABRACRIM-SP.