O funcionalismo público brasileiro, em suas distintas carreiras, é a categoria que interage de modo mais constante e direto com a sociedade, nas escolas, hospitais e outras unidades de atendimento na saúde, fóruns, agências do INSS, repartições públicas de várias áreas e no cotidiano das ruas. Assim, professores, profissionais da saúde, magistrados e servidores da Justiça, policiais, bombeiros, fiscais e agentes de vários segmentos estão permanentemente expostos à reação das pessoas, nem sempre cordial ou respeitosa e, em numerosos casos, até agressiva, moral e fisicamente.
O desacato ao funcionalismo está previsto no Código Penal Brasileiro, mais especificamente no seu Artigo 331. A pena nesses casos é de detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. Casos mais graves, como agressão física e até assassinatos, são objeto de outros artigos e sanções legais. A legislação, contudo, não tem sido suficiente para garantir a segurança dos servidores no exercício de seus serviços em favor da sociedade. É o que demonstram algumas estatísticas.
Pesquisa inédita mostra que o Brasil é o segundo país, atrás apenas da Bolívia, onde os juízes de direito mais sofrem ameaças de morte ou à sua integridade física na América Latina. Metade dos entrevistados em nosso país relataram o problema. Os dados são do estudo "Perfil da Magistratura Latino-Americana", realizado pelo Centro de Pesquisas Judiciais da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), em parceria com a FLAM (Federação Latino-Americana de Magistrados) e o Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas).
Outra pesquisa, de 2019, encomendada pelos conselhos regionais das categorias, entrevistou 6.832 profissionais da saúde (4.107 enfermeiros, 1.640 médicos e 1.085 farmacêuticos), revelando que 71,6% já haviam sofrido agressão física ou verbal no ambiente de trabalho. Em 2017, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou pesquisa global com mais de 100 mil professores e diretores de escolas do segundo ciclo do Ensino Fundamental e do Médio. O resultado foi assustador: no Brasil registrou-se o maior índice de violência nas escolas.
Esses exemplos demonstram ser fundamental, independentemente das sanções legais, proporcionar mais segurança e respeito às carreiras do funcionalismo público. Nesse sentido, é importante um processo de conscientização sobre seu trabalho, a relevância de seus serviços para a população e os riscos a que já estão expostos por sempre estarem na linha de frente das pandemias e epidemias, enchentes e desastres urbanos e naturais, na educação de nossas crianças e jovens e no atendimento diário a milhares de pessoas nas distintas repartições públicas.
Algo que precisa mudar são alguns discursos de autoridades, como se observa frequentemente, que buscam desabonar e desacreditar os servidores. Não são raras as ilações sobre sua produtividade e/ou peso no orçamento das instituições dos Três Poderes. Não se pode imputar a todos que trabalham pela sociedade a responsabilidade por infraestruturas precárias de hospitais e escolas, por exemplo, ou a má administração do erário e suas consequências fiscais.
Quando se usa todo o funcionalismo para justificar erros específicos de gestores, fere-se a ética, descumpre-se a lei e se estimula a animosidade contra uma categoria que sempre está a serviço da população. Precisamos, com urgência, avançar na promoção do respeito ao trabalho, à segurança e à integridade dos servidores públicos.
*Artur Marques da Silva Filho é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, é presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP).