A Reforma Tributária é fundamental para dar segurança jurídica ao ambiente de negócios no Brasil, afirmaram nessa quarta-feira (20) representantes do agronegócio e do cooperativismo durante audiência pública na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado sobre os impactos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019 nesses setores. Os especialistas defenderam ainda a manutenção dos benefícios creditícios e fiscais já garantidos pela Constituição, bem como a adoção de alíquotas reduzidas e o tratamento diferenciado para produtos de gênero alimentício e biocombustíveis.
Ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria, Mailson da Nóbrega disse que o Brasil está diante de uma revolução da tributação do consumo quando comparado ao que se tem hoje, “o pior sistema de tributação de consumo do mundo”... "Não tem nada parecido de bagunça em canto nenhum do mundo, e esse sistema responde em grande parte pela armadilha do baixo crescimento em que se meteu o Brasil. Portanto, estamos diante de uma revolução não apenas de um sistema moderno de tributação do consumo, o IVA, associado à sua gestão pela tecnologia digital, que faz com que o Brasil possa ter o mais avançado, e tecnologicamente falando, sistema de tributação do mundo. É uma oportunidade ímpar que vai aumentar, se aprovada a reforma, o potencial de crescimento da economia brasileira", afirmou.
Mailson disse que a Índia viveu “um caos tributário semelhante ao do Brasil na tributação do consumo, até fazer uma reforma parecida com a que o Brasil está tentando fazer”, a qual responde hoje em grande parte pelo êxito recente daquele País, “que supera a China pela primeira vez como pais relevante de mais forte ritmo crescimento de sua economia”, observou.
O ex-ministro da Fazenda defendeu alguns pontos da reforma que considera “desprezados ou pouco entendidos” no debate travado nos últimos meses, dentre eles a criação do Conselho Federativo.
"O Conselho Federativo é, na minha opinião, a maior inovação dessa reforma, porque sem ele a reforma não existe, porque só o Conselho permite assegurar uma promessa da reforma, a de que durante vinte anos nenhum ente federado perderá receita, a sua participação na receita. Isso é impossível sem o Conselho Federativo. Se deixarmos a critério de cada estado ou câmara de compensação que o valha, isso não funciona. Tenho participado desse debate há pelo menos 40 anos. Integrei a primeira comissão da reforma tributária do Ministério da Fazenda, em 1983. E já naquela época, era claro para nós. Os estados perdedores de uma reforma que mude da origem para o destino vão se opor, e se opuseram sempre. A coalizão de veto contra a reforma acontecia exatamente por isso: a falta de um mecanismo que permita obviar o problema das perdas e ganhos da reforma durante um certo período", assinalou.
Mailson ressaltou ainda que o Conselho Federativo é fundamental para a devolução dos créditos acumulados, particularmente na exportação, dado que a arrecadação é centralizada e será acompanhada por um algoritmo, e não por uma ação humana.
"A cada crédito acumulado corresponderá uma reserva de valor na arrecadação para sua devolução, ou seja, aquilo que se transformar em crédito não será objeto de distribuição para a União, estados e municípios nas duas formas de tributação que estão sendo examinadas. O Conselho não é, ao contrário do que se tem dito, uma afronta à Federação, até porque a União não participa do Conselho Federativo. Até poderia, eu acho, poderia ate contribuir mais se a união participasse, mas é decisão da Câmara a União não participar desse Conselho. Como é hoje? Hoje, quem acumula crédito pode passar anos para receber. Nenhum estado devolve credito com menos de 90 dias", acentuou.
Tratamento diferenciado
Assessora técnica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Maria Angélica Echer Ferreira Feijó defendeu os avanços conquistados até o momento no texto da Reforma Tributária aprovado na Câmara, além da interpretação sistêmica do que já está previsto no artigo 187 da Constituição, quanto ao tratamento diferenciado à agricultura e pecuária por meio de instrumentos creditícios e fiscais. "O tanto que pagamos de tributo é o tanto que o agro contribui para a manutenção do nosso PIB. Segundo dados atualizados da Receita Federal, o setor que mais recebe benefícios fiscais, pasmem, não é o agro, é a indústria. Se analisarmos as 100 maiores empresas industriais que recebem os maiores benefícios fiscais do Governo Federal, 78% delas são indústrias de mineração, energia e siderurgia", afirmou.
A representante da CNA afirmou que 81,5% dos 38 países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) — que possui sistema tributário idêntico ao que está sendo discutido no Brasil, que almeja o ingresso na entidade internacional — mantêm alíquotas diferenciadas para o agro, sendo que 32,2% contam com alíquotas menores que 1%.
"O tratamento diferenciado para o agro que deve ser mantido é justamente a redução de alíquotas, de 60% para os produtos agrícolas e de 100% para a tão importante cesta básica; a opção pelo IVA dual para aquele pequeno produtor rural; e a não incidência de imposto seletivo sobre produtos e insumos agropecuários quando aplicados para o consumo humano. A gente também não pode cobrar IPVA sobre tratores e maquinas agrícolas, isso traz majoração muito grande e inesperada para os produtores. Também precisa ser mantido dentro do que foi debatido até agora a imunidade das exportações, com a garantia da devolução dos créditos acumulados de forma rápida e efetiva; um tratamento diferenciado para as cooperativas que possuem atuação no agronegócio e o tratamento diferenciado para o biocombustível", disse.
Entre os pontos a serem aperfeiçoados no texto da Reforma Tributária em discussão no Senado, a representante da CNA defendeu a redução da alíquota para os produtos de gênero alimentício do agronegócio em 80% (e não em 60%); o aumento do teto de limite de opção IVA dual para o produtor rural de R$ 3,6 milhões para R$ 4,8 milhões, visto a adoção de novas burocracias; o endereçamento dos fundos estaduais; e a imunidade do imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCMD) para o pequeno e médio produtor rural, como forma de mantê-los no campo.
Inclusão
Consultor Jurídico da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), João Caetano Muzzi Filho disse que o modelo cooperativo faz autonomamente a inclusão econômica e social do indivíduo em determinado ambiente de negócios. Ele citou estudo da Fipe que mostra o efeito do cooperativismo no ambiente econômico, segundo o qual, para cada um real gasto em consumo de produtos ou serviços de cooperativas, houve o aumento de seis centavos de arrecadação tributária nesse ambiente. Ele ressaltou ainda que o adequado tratamento às cooperativas já existe na Lei 5764, de 1971, “objeto de louros internacionais, sendo a primeira lei do mundo que reconheceu o conceito de ato cooperativo e o pratica desde então, há mais de 50 anos”, disse.
"A reforma reconheceu, portanto, que o regime tributário das cooperativas tem que reconhecer a neutralidade jurídica das cooperativas para que, quando ela pratica o ato de alocar o cooperado no mercado e produz riqueza para o cooperado, quem vai pagar tributo é o cooperado. Não se pede aqui que o ato cooperativo seja intributável, busca mostrar que o ato cooperativo é, sim, tributável, quando possível, onde a riqueza nele se fixa. E, na prática do ato cooperativo, a riqueza se fixa no cooperado. Quando possível, quem vai pagar esse tributo é o cooperado", insistiu.
Cesta básica e cashback
Doutor em Economia e assessor na Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Nelson Leitão Paes observou que a desoneração da cesta básica, como instrumento para redução da pobreza e desigualdade, não funciona de forma muito adequada, pois não promove o repasse integral do benefício aos preços e acaba beneficiando pouco os consumidores de menor renda.
Ele observou, porém, que a reforma tributária traz uma alternativa que é a restituição do imposto (cashback), a qual já ocorre em vários países da América Latina mais pobres que o Brasil, como Equador e Bolívia, em algumas províncias do Canadá e no próprio Rio Grande do Sul, por meio da restituição do ICMS, o que contribui para a redução da pobreza e desigualdade:
"Esse recurso, destinado de volta às famílias de baixa renda, é bastante interessante porque tem uma focalização, você pode direcionar aquele recurso ao grupo social que você acha interessante que pode receber os recursos de volta, e elas podem usar o dinheiro da forma que quiserem, elas não precisam consumir um produto de cesta básica para ter o benefício, elas têm muito mais autonomia e liberdade no uso dos recursos, que não fica atrelado apenas aos produtos que têm redução do imposto. Essa restituição do imposto tem potencial incrível para mitigar a reversibilidade da tributação sobre o consumo, a gente precisa lembrar que quase metade da arrecadação tributária está no consumo e o consumo é regressivo, ou seja, quem é mais pobre paga proporcionalmente mais tributo que aqueles que são mais ricos. E o cashback tem potencial para mitigar muito fortemente essa característica do imposto sobre o consumo", disse o assessor.
Paes disse ainda que, se o cashback estiver atrelado à emissão da nota fiscal, isso representará um incentivo à formalização das empresas para emiti-la, pois haverá demanda de clientes para receber a nota e pedir o dinheiro de volta, o que contribuirá para a educação tributária e fiscal e para a redução da informalidade no Brasil.
Investimentos e saneamento
Economista, consultor econômico e fundador da GO Associados, Gesner Oliveira disse que a segurança jurídica a ser promovida pela reforma tributária, com a adoção dos elementos necessários para eliminar a guerra fiscal, é imprescindível para aumentar a taxa de investimentos, que hoje se encontra de quatro a cinco pontos aquém de um crescimento sustentável.
Gesner Oliveira ressaltou que a reforma tributária também é necessária para promover a segurança hídrica e favorecer os investimentos necessários ao setor ambiental, como forma de atenuar os danos causados por secas e inundações por meio da reciclagem de água. No cenário para 2030, afirmou, observa-se a necessidade de mitigação urgente para setor agrícola, dada a probabilidade de secas e inundações muitas vezes no mesmo município, com efeitos devastadores para a sociedade e o setor agrícola, em particular.
"Este saneamento precisa dar um salto no investimento que nunca ocorreu na nossa história, precisamos mais do que dobrar o montante de investimento em água e esgoto, e ainda em drenagem e manejo em resíduos sólidos, o desafio é enorme, o tratamento tributaria para o saneamento hoje já e diferenciado, não incide ICMS e ISS, pela importância que tem para o desenvolvimento social", concluiu. (Agência Senado)