A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou em primeiro turno nesta quarta-feira (22) texto alternativo do senador Eduardo Gomes (PL-TO) que regulamenta os serviços de oferta de vídeo sob demanda (VoD, transmitido por streaming) e os obriga a recolher a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine). A proposta (PL 2.331/2022), aprovada de forma unânime com 24 votos, ainda precisa passar por turno suplementar de votação na CAE.
"É um projeto importante porque estabelece um ambiente de arrecadação e de investimento do setor", registrou o relator Gomes.
Do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), o projeto inicialmente apenas alterava a MP 2.228-1/2001, para permitir a cobrança da Condecine. Com o substitutivo, o texto modifica também a Lei 12.485, de 2011, que trata da comunicação audiovisual de acesso condicionado. A proposta tramitava em conjunto com o PL 1.994/2023, do senador Humberto Costa (PT-PE), que foi considerado prejudicado. Humberto disse perceber “imprecisões e imperfeições” no relatório adotado, mas espera que algumas questões sejam corrigidas durante a tramitação da matéria na Câmara dos Deputados.
O projeto já havia sido aprovado na Comissão de Educação (CE), onde também foi relatado por Eduardo Gomes e ganhou texto alternativo. No relatório da CE, o relator propõe que o projeto de Humberto, de 2023, seja rejeitado e substituído pelo texto de Nelsinho, de 2022. Agora na CAE, o senador apresentou um outro texto alternativo, com alterações extras, mas mantendo em essência o texto do PL 2.331.
Eduardo Gomes definiu o tema do projeto como complexo e disse que os detalhes serão tratados em futuro regulamento. O presidente da comissão, senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), elogiou o trabalho do relator e agradeceu o apoio dos colegas de comissão. O senador Rogério Carvalho (PT-SE) também destacou a qualidade do relatório e disse que o tema é importante para a cultura do país. Para o senador, a produção audiovisual deve ser um tema central para o governo:
O projeto regulamenta a prestação de serviço de vídeo sob demanda, de plataformas de compartilhamento de conteúdos audiovisuais e de televisão por protocolo de internet. A regulação é válida para todas as empresas baseadas no Brasil, independentemente da localização da sede ou da infraestrutura para prestação do serviço.
Alíquotas
A cobrança da Condecine será anual e terá alíquota máxima de 3% da receita bruta das empresas, incluindo os ganhos com publicidade e excluindo os tributos diretos e as comissões devidas a parceiros de comercialização, veiculação ou distribuição do serviço. A exclusão de comissões de parceiros foi estabelecida em complementação de voto do relator ao PL.
Empresas com faturamento anual acima de R$ 96 milhões pagarão 3%. Já as plataformas com faturamento entre R$ 4,8 milhões e R$ 96 milhões recolherão 1,5%. Para os serviços com faturamento inferior a R$ 4,8 milhões, a alíquota será zero. A Condecine terá o valor reduzido pela metade para o streaming sempre que pelo menos metade do conteúdo do catálogo for nacional. Essa previsão foi incluída no substitutivo aprovado agora na CAE.
Para calcular a contribuição devida, as empresas poderão separar a receita obtida com o serviço de streaming do lucro que eventualmente tenham ganhado com outros serviços, como a oferta de conteúdos esportivos e jornalísticos e a comercialização de espaços publicitários relativos a esses eventos, por exemplo. A Condecine também incidirá sobre o pagamento de rendimentos pela exploração ou pela aquisição de obras audiovisuais a preço fixo a produtores, distribuidores ou intermediários no exterior.
Produtora independente
Para ser classificada como produtora brasileira independente, a empresa não poderá ser controladora, controlada ou coligada a TVs, a rádios ou a quaisquer prestadoras de serviços de telecomunicações. Também não poderá estar sujeita a veto ou interferência comercial de outras empresas de comunicação. Por fim, não poderá manter vínculo de exclusividade que a impeça de produzir ou comercializar com terceiros os conteúdos produzidos.
Princípios
O texto alternativo sujeita os serviços de streaming aos princípios da liberdade de expressão artística, intelectual, científica e de comunicação. Também leva em consideração a diversidade cultural e das fontes de informação e produção; a valorização do conteúdo audiovisual brasileiro; a abertura a outras culturas do mundo.
Conteúdo brasileiro
Eduardo Gomes propôs que as plataformas garantam visibilidade do conteúdo audiovisual brasileiro por meio de sugestões, busca ou seções claramente identificadas, de modo razoável e proporcional e de acordo com a capacidade de cada serviço. Os provedores de streaming terão que disponibilizar permanentemente no catálogo quantidades mínimas de conteúdos audiovisuais brasileiros, sendo metade destas quantidades de conteúdo nacional independente. Para streamings com 2 mil produtos no catálogo, pelo menos 100 terão que ser brasileiros. E para streamings com 7 mil produtos, pelo menos 300 terão que ser nacionais.
Pelo menos 30% das receitas provenientes dos serviços de streaming deverão ir para produtoras brasileiras independentes localizadas nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; e no mínimo 20% para produtoras estabelecidas na Região Sul e nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Haverá cota de receitas também para capacitação técnica, obras independentes produzidas ou dirigidas por pessoas de minorias, proteção a direitos autorais, programas de fomento a provedores de streaming nacionais e programas de investimento em produções nacionais.
Ancine
Quanto à fiscalização, a oferta de catálogo deverá ser regulamentada e fiscalizada pela Ancine. Os provedores de vídeo sob demanda deverão solicitar o credenciamento na agência até 180 dias após o início da oferta do serviço no Brasil. O cadastro terá que ser homologado em até 30 dias para as empresas que cumprirem os requisitos estabelecidos.
As plataformas também terão que apresentar à Ancine a documentação relativa ao faturamento e a listagem de conteúdos audiovisuais brasileiros, relacionando as obras realizadas por produtoras brasileiras independentes. Mas não será necessário apresentar a relação de conteúdos audiovisuais do catálogo inseridos e/ou produzidos pelos próprios usuários.
O texto também obriga as empresas a enviarem à agência o resumo do contrato firmado entre as partes para a produção de obras publicitárias. A Ancine deverá garantir a confidencialidade de segredos comercial e industrial, quando for o caso.
Fabricantes de televisores
O provedor de televisão por internet que também seja fabricante de equipamentos de televisão ou outros dispositivos receptores deve dar tratamento isonômico e evitar condutas lesivas à concorrência na oferta de conteúdos em seu sistema operacional. Será obrigatório ofertar, na interface inicial e no guia de programação, o acesso direto aos serviços de radiodifusão de sons e imagens. E será proibido privilegiar a oferta de produtos, serviços ou conteúdos audiovisuais próprios. Eventuais infrações serão fiscalizadas pelo Cade.
Punições
Os provedores de serviço de vídeo sob demanda que descumprirem as obrigações estarão sujeitos a advertência e multa, inclusive diária, a serem determinadas pela Ancine. Também poderá ser cancelado o credenciamento na Ancine, bem como anulada a dedução do Condecine. A multa poderá ser imposta isoladamente ou em conjunto com outra sanção, não devendo ser inferior a R$ 10 mil reais, nem superior a R$ 50 milhões para cada infração cometida. A agência deverá iniciar processo administrativo fiscal caso não haja o recolhimento da Condecine no prazo.
Isentos
O texto não sujeita à Condecine nem regulamenta os serviços que oferecem conteúdos audiovisuais sob demanda de forma incidental ou acessória. Bem como não inclui aqueles já veiculados em TVs e rádios ou outros canais, inclusive TVs por assinatura. Também ficam de fora os canais educacionais, jornalísticos, de esporte e de jogos eletrônicos, mesmo quando oferecidos por provedores de vídeo sob demanda. No substitutivo da CAE, Eduardo Gomes passou a excluir também conteúdo já divulgado e posteriormente incluído em streaming pertencente ao mesmo grupo econômico, por período de até um ano. E excluiu também os conteúdos de eventos esportivos.
Transparência
Para Nelsinho Trad, já passou da hora de os serviços de streaming serem obrigados a investir parte da receita ganha no Brasil na produção de conteúdo nacional, recolhendo a Condecine.
O senador afirma que em janeiro de 2021 só a Netflix tinha 19 milhões de assinantes no Brasil, superando os 14,7 milhões de assinantes de todas as operadoras de TV paga. Ele lembra que as operadoras estão submetidas a obrigações regulatórias e tributárias muito mais severas. (Agência Senado)