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Opinião

Foto: Arquivo Conexão Tocantins

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A sociedade em geral, meios de comunicação e analistas têm sido críticos em relação ao judiciário, notadamente às instâncias superiores e entre elas a mais visada é o Supremo Tribunal Federal, por suas continuadas decisões monocráticas ou mesmo do colegiado que interferem visível e não raro impropriamente na vida política do país, face ao descumprimento do preceito constitucional de independência entre os poderes constituídos. Convém observar que o STF é tido como guardião da Constituição...

Porém, na recente decisão que provocou ruídos entre Judiciário e Legislativo, a Suprema Corte estava correta. Trata-se do caso de emendas parlamentares, sendo inicialmente decisão monocrática, de forma liminar, do ministro Flávio Dino, depois referendada pelo Pleno do Tribunal de maneira unânime, ou seja, 11 votos a zero – interpretada como recado direto ao presidente da Câmara Federal Arthur Lira, que rebuscara gavetas para ameaçar trazer à votação projetos – inclusive uma PEC – limitando decisões do STF.

Em sua liminar, o ministro Dino condenou o que já está de há muito condenado pela opinião pública: as emendas propostas ao orçamento, que nasceram com bom propósito mas foram se deteriorando e hoje são impositivas e até secretas, qualificativos que sugerem algo nefasto. Estão menos a serviço do povo do que a serviço das campanhas políticas dos parlamentares e – creiam – da corrupção.

As emendas parlamentares são instrumentos pelos quais deputados e senadores podem direcionar verbas do orçamento público para projetos e o governo é obrigado a executar. As emendas Pix, recentemente incluídas no sistema, são marcadas por um trâmite mais rápido.

No orçamento deste ano R$ 49 bilhões ficaram nas mãos do Congresso em forma de emendas. Segundo o Portal da Transparência, foram R$ 25 bilhões reservados para as emendas individuais, montante que inclui R$ 8,2 bilhões em emendas Pix; R$ 8,5 bilhões em emendas de bancada; e R$ 15,5 bilhões em emendas de comissão. Tais gastos levaram o Supremo Tribunal Federal (STF) a intervir.

O que o ministro Flávio Dino fez nada mais foi que exigir moralidade no processo de emendas parlamentares, que vem sendo severamente criticado pela ausência de transparência, critérios omissos e abuso por parte do Legislativo.

O ministro do Supremo não proibiu, apenas suspendeu a liberação de emendas e determinou que o Congresso regularmente o processo, tornando-o transparente como bem prevê a Constituição. Foi o que bastou para desencadear exacerbada reação do Congresso que imediatamente se movimentou para ameaçar com retaliações...

É importante lembrar que no conjunto das emendas individuais o Parlamento incluiu as emendas Pix (assim chamadas pela rapidez que saem do tesouro e vão para destino não identificado nem rastreável). Elas se tornaram mais uma ferramenta de barganha do governo para destravar qualquer má vontade na hora de votações no Congresso. Para se ter ideia, ano passado quando o governo precisava de votos para aprovar seu “arcabouço” tributário liberou em um só dia R$ 5,2 bilhões a parlamentares.

Ao contrário das emendas tradicionais, a emenda Pix não tem um carimbo de destino definido. O dinheiro vai para a conta de prefeituras e governos estaduais, que decidem por conta própria o que farão. Na linguagem da mídia nacional a emenda virou sinônimo de uma espécie de “repasse sem transparência que dribla a fiscalização”, facilitando gastos ineficientes, improbidade administrativa e corrupção.

No geral, todas as emendas são rotuladas de impositivas, isto é, cumprimento obrigatório pelo governo.

No que se refere à liberação das emendas parlamentares, a falta de critério é tamanha que nem sempre há interação com prefeitos e governadores, o parlamentar decide pela obra que a si mais convém e até empresas já estão adrede acertadas para a construção. Além disso, é muita transferência de recursos rolando sem fiscalização. Quem pode assegurar que não haverá superfaturamento e desvio de verbas para fins diversos? Muitas vezes o município depois não consegue manter ou colocar a obra em funcionamento, perdendo o sentido, a utilidade e os recursos investidos. Calcule-se isso ocorrendo país afora...

Quanto à reação do Congresso, entendo que antes de se melindrar e querer provocar crise apenas por que lhe cortaram regalias, direitos e vantagens inconstitucionais, cabe-lhe assumir de vez (ainda que tardiamente) postura condizente com sua importante missão na vida política do país. Está mais do que na hora de as direções das Casas do Legislativo e todos os congressistas comprometerem-se com pautas de trabalho mútuo com os demais poderes em favor dos grandes e inadiáveis temas nacionais. Basta de somente pensar em benefícios próprios contrários aos bons princípios, às boas práticas de gestão pública e, sobretudo, contrários aos valores morais e éticos.

É momento de se pensar mais no Brasil e nos brasileiros, lembrete que cabe aos três poderes da República, constantemente em crises políticas que nada têm a ver com os interesses do povo.

Felizmente, neste episódio o final foi satisfatório, depois do encontro entre os Três Poderes, definindo normas e critérios para as emendas parlamentares. Os pontos principais do acordo são: transparência, rastreabilidade e correção. As pix são mantidas com pagamento obrigatório, mas com identificação do destino.

Enfim, foi um avanço, valeu a interferência do Judiciário. Porém, deve ser mantida permanente fiscalização, não só para que o acordo seja cumprido, mas também para que o problema não mais volte a ocorrer.

*Luiz Carlos Borges da Silveira é médico, ex-ministro da Saúde, ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Governo do Estado do Tocantins e ex-secretário do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Emprego do Município de Palmas-TO.