São perceptíveis os sinais de que nossa jovem, frágil e tantas vezes ameaçada Democracia está amadurecida e fortalecida. Não vão distantes os tempos em que episódios nada catastróficos eram suficientes para desencadear crises que não raro provocavam até mudança de governos e de rumos políticos. Crises que em países democraticamente mais sólidos seriam consideradas normais, aqui não, no Brasil causavam estragos, afetavam os poderes e colocavam a população de sobressalto.
Felizmente, há indícios de mudanças para melhor. A jovem Democracia brasileira tem recebido elogiosas referências emanadas de reconhecidos fóruns políticos, expressadas por lideranças de nações de democracia centenária. É citada como “espelho” para nações que sofrem problemas institucionais. Igualmente, vem ganhando também o reconhecimento pessoal de personalidades globais brilhantes em múltiplos ramos de atividades do conhecimento humano e diversificadas áreas de influência.
Vejamosalguns exemplos bem atuais: na recente Assembleia Geral da ONU, detentores do Prêmio Nobel reunidos em Nova Iorque publicaram uma declaração conjunta firmada por 43 laureados, incluindo o Dalai Lama, líder político e religioso do budismo. No encontro estavam presentes governantes de 20 países, entre os quais o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. A esses, os signatários do documento reiteraram a importância da democracia e fortalecimento das instituições.
Ainda nos EUA, um grupo de países da OEA (Organização dos Estados Americanos), depois de reunião para tratar da política no continente, sugeriu que países com dificuldades políticas devem se espelhar no Brasil, na democracia brasileira. Outra referência de peso partiu do renomado cientista político e catedrático da Universidade de Harvard, Steven Levitsky (autor do best-seller ‘Como as democracias morrem’) afirmando que “hoje o Brasil é um sistema mais democrático do que os Estados Unidos.” Segundo ele, as autoridades brasileiras respondem melhor aos ataques à sua democracia. Como se observa, são declarações, manifestações e atitudes espontâneas, por isso mais enaltecem seu valor e sua importância – é reconhecimento sincero, verdadeiro.
Internamente, há provas de que as referências elogiosas têm razão de ser. Há um exemplo tão recente que seus desdobramentos ainda estão ocorrendo, tudo ainda está bem fresco na lembrança dos brasileiros. Trata-se dos acontecimentos conhecidos como episódios do 8 de janeiro, ou atos golpistas que afrontaram os poderes e ameaçaram as instituições.
Não entro no mérito da questão, nem nas críticas de influência política nos processos ou exagero na dosimetria das penas nivelando os mais implicados com meros manifestantes populares. Sabidamente houve investigação técnica, depoimentos e até confissões dos investigados. Importante é lançar olhar sobre o risco que atitudes e atos análogos representam para a estabilidade dos poderes institucionais e para a própria soberania nacional. Os desdobramentos tiveram também efeitos graves na contraposição dos poderes favorecendo propósitos golpistas, segundo as autoridades.
Acredito que o não agravamento da situação decorreu em parte do fato de nosso sistema parlamentar ser bicameral: a Câmara dos Deputados como representante popular e o Senado como órgão revisor, representante das unidades federativas. No debate sobre o grau da anistia aos envolvidos processados, julgados e sentenciados pela participação nos acontecimentos, prevaleceu a moderação do Senado, até porque, as pesquisas indicavam que mais de 60% da população eram contra qualquer tipo de anistia – ainda assim o tema se transformou em disputa política. Penso que o próprio Senado poderá contribuir para um maior equilíbrio na punição dos envolvidos sem afronta ao Judiciário, fortalecendo a democracia e preservando os poderes.
Outro caso controverso no âmbito político foi a votação da PEC da Blindagem (sem nada a ver diretamente com os processos dos atos golpistas). Esse projeto foi aprovado na Câmara e arquivado pelo Senado, evitando-se dessa forma a abertura de grave precedente em favor da impunidade. Básica e resumidamente, procurava ampliar a proteção de parlamentares contra investigações e processos criminais e civis. Além disso, buscava criar mais dificuldades na concessão de licença para abertura dessas investigações. Reação contra a proposta mobilizou a população, que foi às ruas das principais capitais para protestos e manifestações, reunindo em média 50 mil pessoas em cada uma delas.
O episódio do 8 de janeiro, já praticamente superado, serviu para evidenciar a importância da preservação dos poderes e o fortalecimento da soberania nacional. Um Estado internamente enfraquecido está com sua soberania em risco. O confronto político e econômico-tributário com os EUA é um exemplo. A diplomacia desse país, sempre muito bem preparada, equivocou-se na avaliação da situação interna do Brasil. O presidente Trump mostrou-se arrogante e arbitrário ao aplicar medidas restritivas, penalizando nosso país e ainda criticando atos e procedimentos internos.
Nessa escaramuça tarifária com os EUA o governo brasileiro não abaixou a guarda, contra atacou dentro das boas normas e práticas das relações internacionais. Trump recuou e mudou o tom, Lula capitalizou politicamente e os brasileiros não se abalaram. A soberania e a democracia nacionais sequer foram arranhadas, saíram mais fortalecidas.
É verdade que o atual governo acumula problemas e desacertos que beiram a incompetência. Começa com o excessivo endividamento, fruto da gastança sem critério e do populismo social que quer sanar dificuldades do povo a custa dos cofres públicos. Isso obriga a elevados gastos fiscais, crescimento da dívida pública, aumento de impostos. Há também reiterados equívocos na política de relações internacionais e no comércio exterior. Todavia, isso não justifica a ingerência externa. Nossos problemas nós mesmos devemos resolver, dentro de parâmetros políticos e democráticos.
Finalmente, é preciso que cada cidadão entenda e o poder público tenha consciência de que a adesão popular e o posicionamento da sociedade civil organizada ao lado do governo na defesa da soberania e da democracia não quer dizer que internamente está tudo bem e que não há insatisfação popular...
*Luiz Carlos Borges da Silveira é médico, ex-ministro da Saúde, ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Governo do Estado do Tocantins e ex-secretário do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Emprego do Município de Palmas-TO.