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Opinião

 Borges da Silveira é médico, ex-ministro da Saúde, ex-secretário de Palmas e do Estado do Tocantins.

Borges da Silveira é médico, ex-ministro da Saúde, ex-secretário de Palmas e do Estado do Tocantins. Foto: Arquivo Conexão Tocantins

Foto: Arquivo Conexão Tocantins  Borges da Silveira é médico, ex-ministro da Saúde, ex-secretário de Palmas e do Estado do Tocantins. Borges da Silveira é médico, ex-ministro da Saúde, ex-secretário de Palmas e do Estado do Tocantins.

Nestes tempos em que tanto se fala em fortalecimento, consolidação e defesa da democracia no Brasil, é apropriado momento para reflexão sobre a indissociável relação entre estável sistema democrático e partidos políticos fortes. Talvez, nossa democracia interna de vez em quando sofre solavancos devido à postura frágil do demasiadamente numeroso elenco de siglas cheias de vícios e defeitos, comprovando que quantidade não quer dizer qualidade.

Até meados do Século XX houve relativa estabilidade do quadro partidário no país, com siglas fortes e ideologicamente firmes e definidas. A maioria dos partidos possuía imutável identidade, eram agremiações de representação nacional. Seus líderes, adeptos e militância mostravam fidelidade quase religiosa. PSD, UDN, PTB, PDC, PSP entre outros, eram os protagonistas da política brasileira seguidos por agremiações mais regionalizadas, porém representativas e com relevante peso eleitoral. Era tempo da militância espontânea, engajada.

Em meados de 1960 o governo militar extinguiu o pluripartidarismo e implantou o bipartidarismo, representado pela ARENA - Aliança Renovadora Nacional (alinhada ao regime) e MDB – Movimento Democrático Brasileiro (oposição consentida). O sistema existiu enquanto o regime tinha interesse. No ano de 1979, por Lei Federal o pluripartidarismo foi restabelecido. De lá para cá houve verdadeira sanha pela criação de todo tipo de partido até chegarmos ao absurdo número atual de 29 siglas registradas na Justiça Eleitoral. Algumas dessas siglas têm denominação que nem parece partido político: Podemos, Rede, Mobiliza, Agir, Avante, Novo.

O progressivo acréscimo no número de partidos foi de início uma conveniência para acomodar as diversas correntes do pensamento e ideologias. Decorreu também de dissidências em siglas já consolidadas. Foi o caso do PSDB, em junho de 1988, criado a partir de movimento de importantes lideranças do PMDB descontentes com a linha que o partido estava seguindo. Entre essas lideranças estavam FHC, Mário Covas, Franco Montoro e José Richa.

Bem mais tarde, a proliferação se deu pela facilidade de formar uma agremiação política. Os chamados ‘caciques’, interessados em ser ‘donos’ de um partido arrebanhavam adeptos e criavam a sigla. Hoje, com Fundo Partidário e outras fontes públicas de recursos, ser dirigente partidário é rentável ocupação.

Partidos têm ganância por verba pública, como Fundo Partidário e Fundo Eleitoral, instituídos por leis aprovadas pelos próprios interessados. Não raro, vão além em busca de dinheiro não definido na lei.

Assim, as mentalidades políticas se deturpam e os partidos perdem de vista sua real missão. Portanto, há necessidade de alterar as normas. O risco é que os agentes capazes da mudança são os mesmos beneficiários do status quoA lei de Cláusula de Barreira, aplicada pela primeira vez nas eleições gerais de 2018, brecou em parte o processo de criação de partidos, aplicando restrições. Todavia não foi suficiente. Partidos ameaçados de desaparecimento aproveitaram brechas na legislação para formar coligações e federações. E assim sobrevivem, quase nulos em representatividade.

No Brasil os partidos políticos não são fortes, nem coerentes ou estáveis ideologicamente. Antagonistas se unem e se coligam visando apenas o ganho eleitoral. É o que se vê novamente nestas eleições municipais, quando em quase cem municípios PT e PL de Lula e Bolsonaro (que mais do que adversários são inimigos políticos) estão apoiando um mesmo candidato. O palanque vira palco de constrangimentos – se é que político ainda sabe o que é constrangimento.

A estrutura eleitoral brasileira carece de siglas de espectro e consistência nacionais, não apenas identificadas com regiões, estados ou municípios sem se preocupar em ter uma bandeira mais ampla e assim defender grandes e importantes propostas para o país. Ao contrário, permanecem no varejo, praticando a chamada política paroquial; adversários em um local e aliados em outro sem se importar com coerência e com o eleitorado, que por sua vez igualmente não tem coerência, porque não vota em propostas e programas, mas sim por outros motivos que podem até ser promessas pessoais. Esse é o nosso ‘caldeirão’ político-partidário. O único partido que ainda não perdeu totalmente o perfil de sigla nacionalmente identificada é o PT, embora ao longo do tempo tenha promovido ‘ajustes’ programáticos.

Essa amálgama ideológica que corre de norte a sul e de leste a oeste seria aceitável em um segundo turno eleitoral, quando todos partidos no primeiro turno tenham apresentado seus candidatos e debatido suas propostas durante a campanha. Então, aqueles alijados da segunda rodada, naturalmente buscam aliar-se com um ou outro que vai decidir a eleição e com o qual se identifiquem. Assim como recentemente ocorreu na França, quando houve no segundo turno uma união de partidos heterogêneos contra o que foi definido como adversário comum a ser batido: a extrema direita.

É também preocupante observar que por aqui a política está à beira da desmoralização. Os próprios candidatos não a levam muito a sério e se encarregam do deboche. Já tivemos o Tiririca, que usou sua condição de humorista circense para criar jocoso lema de campanha: ‘Vote em Tiririca que pior (a política) não fica’. No presente, Pablo Marçal, candidato a prefeito da maior capital brasileira e maior colégio eleitoral do país lança mão de debochada ironia como arma de campanha.

Já houve no passado baixaria semelhante, mas por iniciativa do eleitorado. Em 1959, Cacareco, uma rinoceronte levada para São Paulo recebeu espontaneamente 100 mil votos na eleição para vereador. Em 1988, o macaco Tião, do zoológico do Rio de Janeiro, obteve 400 mil votos para prefeito. Os votos em Cacareco e Tião, superiores a muitos candidatos formais, não foram apenas de protesto, foram de escárnio com a política e os políticos da época.

No Brasil a política partidária causa embaraços também à governabilidade. Em países onde a política é exercida com seriedade, os partidos obedecem a uma liderança e é com esta que os executivos discutem e negociam suas diferenças antes das votações. Aqui o líder não lidera e o governo tem de negociar individualmente com cada parlamentar. Por isso surgiram mensalão, petrolão e outras excrescências na relação governo-congresso.

É preciso considerar que partidos políticos são base, sustentação e aval às maiores e mais estáveis democracias do mundo. No Brasil, porém, a situação é outra...

*Luiz Carlos Borges da Silveira é médico, ex-ministro da Saúde, ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Governo do Estado do Tocantins e ex-secretário do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Emprego do Município de Palmas-TO.