O superávit de US$ 74,6 bilhões na balança comercial brasileira em 2024, segundo maior da história, deve ser celebrado, pois fortalece nossas reservas internacionais para enfrentar turbulências globais e tem impactos econômicos significativos. Por outro lado, temos de olhar com mais cuidado a pauta do comércio exterior, considerando a pequena queda de 0,8% no valor exportado, combinada com o aumento de 3% no volume exportado.
O setor têxtil e de confecção ilustra este cenário: enquanto as exportações de algodão, aproximadamente 2,8 milhões de toneladas, geraram cerca de US$ 5 bilhões, os produtos manufaturados alcançaram apenas US$ 1 bilhão. Esta disparidade evidencia nossa crescente especialização na exportação de matérias-primas, um modelo que, embora não seja intrinsecamente negativo, demanda urgente diversificação.
Em meio a este contexto, destaca-se um dado preocupante: o Brasil tornou-se um dos principais destinos das exportações asiáticas, com destaque para a China. Esta, respondendo por um terço da produção industrial global e um superávit comercial de US$ 1 trilhão em 2024, impacta significativamente nosso setor têxtil. O déficit setorial de US$ 5,6 bilhões em 2024 (US$ 1 bilhão em exportações versus US$ 6,6 bilhões em importações) é alarmante, especialmente considerando que cerca de 60% das importações são de origem chinesa.
O cenário para 2025 apresenta desafios ainda mais complexos, com previsão de crescimento do PIB brasileiro de 2,06%, menor que os 3,5% de 2024. Soma-se a isso o possível aumento das barreiras comerciais globais, especialmente nos Estados Unidos, e a provável intensificação da busca por mercados alternativos pelos exportadores mundiais, que certamente mirarão o mercado brasileiro.
O programa Nova Indústria Brasil (NIB) representa uma iniciativa promissora para adensar as cadeias produtivas nacionais. Entretanto, são necessárias ações complementares, incluindo a utilização mais efetiva de medidas legítimas de defesa comercial, a busca por novos acordos internacionais, como o Mercosul-União Europeia, o qual esperamos que seja ratificado este ano e implementado em termos práticos em 2026. É fundamenta, ainda, a redução do "Custo Brasil" e investimentos consistentes em modernização e produtividade.
Os números de 2024 são preocupantes para o setor têxtil e de confecção, pois as importações cresceram cinco vezes mais rapidamente do que a produção e seis vezes mais do que o varejo. A situação é grave, considerando que muitos produtos importados chegam com preços predatórios, sustentados por subsídios e práticas laborais e ambientais incompatíveis com os padrões brasileiros.
A indústria têxtil e de confecção brasileira encontra-se em um momento crucial. Ainda que o superávit comercial geral seja positivo, as entrelinhas dos dados revelam desafios significativos, que precisam ser enfrentados com políticas assertivas e ações coordenadas entre governo e setor privado. Em paralelo à agenda de competitividade interna, necessitamos fortalecer nossa capacidade de exportação de produtos manufaturados.
O setor, com ações capitaneadas pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), mantém uma agenda ativa e ofensiva para conquistar mais mercados internacionais, incluindo pesquisa de mercado, estudos detalhados sobre os mercados-alvo, adaptação de produtos e marketing, certificações internacionais, desenvolvimento de competências, parcerias estratégicas, e-commerce e participação em eventos. Ademais, em parceria com a Apex, mantemos o programa TexBrasil. Por meio dessa iniciativa, as empresas recebem suporte em diversas áreas, como qualificação profissional, inteligência de mercado, promoção comercial e sustentabilidade, o que lhes permite fortalecer sua competitividade.
A despeito das estratégias e projetos setoriais, se o Brasil não conseguir resgatar níveis mais elevados de competitividade para conquistar mercados internacionais, corremos o risco de comprometer seriamente o futuro do nosso setor têxtil e de confecção, que está sendo atacado internamente, com capacidade de reação menor do daqueles que estão entrando em nosso mercado. O momento exige ações de coordenação entre os setores público e privado, como já está acontecendo, pois a sustentabilidade e pujança do parque fabril e da economia do nosso país depende da nossa capacidade de responder a esses desafios.
*Fernando Valente Pimentel é diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).
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