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Opinião

Daniel Cassetari é especialista em comércio exterior e CEO da HKTC and Business Limited

Daniel Cassetari é especialista em comércio exterior e CEO da HKTC and Business Limited Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Daniel Cassetari é especialista em comércio exterior e CEO da HKTC and Business Limited Daniel Cassetari é especialista em comércio exterior e CEO da HKTC and Business Limited

Quando Donald Trump decidiu ressuscitar seu protecionismo característico e impor tarifas de 104% sobre produtos chineses, parecia mais um daqueles gestos políticos de força que miram manchetes antes de resultados. Mas a China, com sua diplomacia milenar e olhar estratégico, optou por um caminho menos barulhento — e muito mais calculado.

A reação não veio em forma de discursos inflamados, mas em decisões silenciosas que redesenham o fluxo comercial global. Ofertas comerciais canceladas, mesmo com contratos assinados. Aumento repentino nos preços internos de produtos industriais. E, talvez a mais eficaz de todas: a desvalorização intencional do yuan. Esses são os movimentos de um governo que prefere o silêncio às bravatas. Um governo que, para mexer com um bispo, aceita sacrificar um peão.

Ao desvalorizar sua moeda, a China torna seus produtos ainda mais atraentes para o mercado internacional. Isso amplia a competitividade de suas exportações sem a necessidade de confrontar diretamente as tarifas americanas. É uma estratégia conhecida, mas ainda assim eficaz. A diferença é que, desta vez, ela vem acompanhada de subsídios internos que garantem que as empresas chinesas não apenas sobrevivam, mas prosperem diante da turbulência.

Esse modelo de resposta revela o DNA da política econômica chinesa. Ao contrário dos Estados Unidos, que frequentemente reagem com medidas abruptas e públicas, o governo chinês opera em silêncio, apoiando seus setores estratégicos e movimentando a economia com foco no médio e longo prazo. Quando identifica que um setor pode sofrer, ele age preventivamente. E mais: garante liquidez e fôlego para que as empresas respirem até a tempestade passar.

O impacto desse movimento é global. Países que importam da China, como o Brasil, veem o poder de compra aumentar com a moeda chinesa mais barata. O produto chinês, que já era competitivo, agora se torna quase irresistível em termos de preço. Para as indústrias nacionais, esse é um alerta vermelho. A inundação de produtos manufaturados baratos pode comprometer cadeias produtivas inteiras — e é preciso estar atento ao desvio de comércio que se configura.

Apesar do barulho vindo de Washington, as medidas americanas têm pouco efeito real sobre a operação do comércio internacional. Politicamente, são agressivas. Operacionalmente, quase irrelevantes. A China já conhece esse jogo. E, em vez de bater de frente, ela contorna o obstáculo. Redistribui sua produção, fortalece relações com países como Vietnã, Índia, Tailândia, e segue sua estratégia de dominar os bastidores do comércio global.

É nesse ponto que o xadrez entra em cena. A China não está apenas respondendo. Está posicionando suas peças. Uma retirada aqui, um avanço ali. Menos emocional, mais racional. Enquanto os EUA fazem discursos para plateias internas, a China faz ajustes silenciosos que, com o tempo, revelam sua profundidade estratégica.

Isso não significa, claro, que os Estados Unidos deixaram de ser um player essencial na economia global. Ninguém ignora um mercado de mais de um trilhão de dólares. Mas ao invés de enfrentar esse gigante no grito, a China prepara sua economia para resistir ao embate. E, com o tempo, deslocar o jogo para outro tabuleiro — um onde ela dita o ritmo.

A verdade é que, no médio prazo, o aperto vai doer primeiro no calcanhar americano. O consumidor dos EUA, acostumado a comprar barato, vai sentir o baque. As indústrias que dependem de insumos chineses vão enfrentar custos maiores. E os países aliados, que antes seguiam as diretrizes americanas sem questionar, começam a reconsiderar suas opções.

Enquanto isso, a China avança. Não com um grito de guerra, mas com uma estratégia de guerra econômica silenciosa. Ela sacrifica um peão. Mas o bispo está em movimento. E o xeque-mate, se vier, não será televisionado.

*Daniel Cassetari é especialista em comércio exterior e CEO da HKTC and Business Limited.