A engrenagem do Estado brasileiro range — e não é de hoje. Em meio a uma escalada preocupante do endividamento público, com riscos reais de insolvência a partir de 2027, os Três Poderes da República seguem operando como se nada lhes dissesse respeito. A pergunta que poucos têm coragem de fazer é direta: quem vai assumir o leme da crise orçamentária?
Executivo, Legislativo e Judiciário, que em teoria deveriam atuar de forma independente e harmônica, conforme preconiza a Constituição de 1988, transformaram-se em engrenagens de um pacto de irresponsabilidades. A separação dos poderes virou, na prática, uma separação da responsabilidade fiscal.
O Poder Judiciário, que deveria servir de exemplo em moralidade pública, tornou-se símbolo do privilégio institucionalizado. Magistrados acumulam benefícios, verbas indenizatórias e auxílios que, em muitos casos, elevam os vencimentos para cifras superiores a R$ 500 mil por mês. Há registros isolados de valores ainda mais absurdos — e tudo "dentro da legalidade". Legalidade esta que, moldada por interpretações corporativistas, distancia-se cada vez mais do princípio da moralidade administrativa.
O Conselho Nacional de Justiça, criado para coibir distorções, tem atuado com leniência. O teto constitucional, por sua vez, tornou-se mera ficção normativa. Em um país carente de médicos, professores e saneamento básico, sustentar esse modelo é uma afronta à população.
O Congresso Nacional, por sua vez, abandonou seu papel de guardião do orçamento para se tornar sócio da sua dilapidação. As emendas parlamentares, originalmente mecanismos pontuais de ajuste regional, transformaram-se em um sistema paralelo de execução orçamentária. Em 2014, totalizavam R$ 5 bilhões; em 2024, ultrapassam R$ 50 bilhões. Tudo isso sem regulamentação adequada, em desrespeito ao artigo 165, §9º, da Constituição Federal.
Trata-se de um orçamento pulverizado, direcionado por interesses eleitorais de curto prazo, completamente descolado das prioridades nacionais. A lógica da barganha substituiu a racionalidade técnica.
O Poder Executivo, que deveria liderar o processo de reequilíbrio fiscal, opta por medidas paliativas: eleva tributos, reduz investimentos estratégicos e posterga as reformas estruturantes. A reforma administrativa segue engavetada, enquanto aumentos de IOF, taxações sobre investimentos e cortes cosméticos tomam o lugar de medidas corajosas.
Enquanto os Três Poderes se omitem, a população sente o peso da inércia. Faltam leitos no SUS, segurança nas ruas, estrutura nas escolas. O custo do Estado brasileiro — caro, lento e ineficaz — recai sobre os ombros do contribuinte, que recebe pouco em troca.
Não se trata de buscar um vilão isolado, mas de reconhecer a corresponsabilidade institucional no colapso anunciado. A crise fiscal brasileira não é fruto do acaso, mas da omissão sistemática de agentes públicos que se esquivam de decisões impopulares. Cada Poder tem deveres intransferíveis e precisa assumir sua parcela de responsabilidade com medidas concretas — e imediatas.
O Judiciário não pode mais conviver com a dissonância entre legalidade e moralidade. É inaceitável que, em meio à escassez de recursos públicos, magistrados recebam vencimentos muito acima do teto constitucional graças a interpretações complacentes e auxílios fora de controle. Cortar privilégios e submeter-se, de fato, ao limite remuneratório é um dever moral e constitucional inadiável.
O Legislativo, por sua vez, precisa romper com a lógica das barganhas e do clientelismo orçamentário. A regulamentação das emendas parlamentares não é apenas uma exigência constitucional; é uma condição para restabelecer a racionalidade no planejamento do gasto público. Não há mais espaço para um orçamento que serve a interesses eleitorais e desvia-se das prioridades nacionais.
Já o Executivo tem o dever de liderar. Não há saída sustentável sem uma reforma estrutural do Estado. Medidas paliativas, como aumento de impostos e cortes marginais, apenas adiam o colapso. É indispensável abandonar o discurso fácil e implementar, com coragem e responsabilidade, uma agenda fiscal séria, baseada na revisão de despesas, melhoria da gestão pública e modernização administrativa.
O país está diante de um ponto de inflexão. A omissão já não é mais neutra: é cúmplice do agravamento da crise. Persistir na retórica enquanto a máquina pública implode é negligência institucional. O Brasil exige ação — imediata, coordenada e corajosa.
A separação dos poderes não é salvo-conduto para a omissão. É a base de um pacto republicano que exige, de cada instituição, zelo pelo interesse público. O Brasil está em contagem regressiva. Persistir na inércia é optar pelo colapso.
A hora de agir é agora.
*Dr. Arcênio Rodrigues da Silva é sócio do Rodrigues Silva Sociedade de Advogados.