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Opinião

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT. Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

Protágoras inaugura o relativismo subjetivista com a célebre sentença axiomática: “O homem é a medida de todas as coisas”. Com tal proposta, fundamentada no “acho porque penso e, se o faço, eu crio tudo o que sou capaz de pensar e sentir”, emerge um estilo robusto de argumentação que reduz tudo ao homem, como se isso pudesse ser uma verdade indelével e inexorável. Todos somos obrigados a confessar a sua costura estética fiel aos rubores adolescentes, já que o relativismo é muito mais condizente a uma fase autocentrada da vida do que ao amadurecimento das reflexões e experiências. Aliado a essa confissão, é preciso dizer que a fórmula de Protágoras pode ser encaixada em quaisquer contextos e, com muita elegância, pode ser lida com uma verdadeira declaração de amor à humanidade.

O tempo presente conta com outras maneiras de aproximar tudo ao nada, diga-se, de passagem, que isso não configura uma melhoria do relativismo subjetivista de Protágoras, antes, volta-se para caminhos um tanto quanto tortuosos de produzir impacto dito positivo em ambientes considerados importantes para o corpo social. A nova moda, que teve seu início tímido no escolanovismo brasileiro de meados de 1930, é o pedagogismo com suas multifacetadas (um termo pedagogista) metodologias de ensino que se pretendem atualizadas. No interior do quadro desenvolvido pelo pedagogismo surge, além de formas “inovadoras” de ensinar, uma terminologia que faz muito sucesso em campos externos à própria pedagogia.

Alguém já ouviu falar em “sala invertida”? Nela, acredita-se que uma nova configuração de espaços, como a frente virada para o fundo e o fundo para o lado, possa ser uma forma interessante de qualificar os conteúdos desenvolvidos em sala. Talvez, a troca lexical de sala de aula ou sala invertida para sala de aprendizagem seja um ganho semântico tão significativo capaz de fazer com que os alunos possam aprender mais e melhor. Há, em toada similar a essa, a atuação crítica (termo também já incorporado pelo pedagogismo) do professor, que, por sua vez, passa a ser um tipo de mediador de relações de saber, deve trazer ao panorama dialético toda sua fúria em criticar os mais ricos, o elitismo e o moralismo. Nessa perspectiva, o pedagogismo conquistou um conjunto avassalador de fãs que repetem seus jargões sem ao menos se dar ao trabalho de investigar de qual matriz epistêmica surgem (agora a dialética vem sendo gradualmente substituída pelo dialogismo, já que esse parece ter maior adesão de áreas da filosofia e da linguística).

Todavia, a propositura mais interessante encontra-se em tornar os jogos digitais (vídeo game para os não tão novos) em ferramentas de ensino. Eis o que se chama em pedagogismo de gamificação, um novo método de fazer jovens brincarem em momentos de estudo. Claro que não é só isso! Há todo um conjunto teórico que subsidia metodologias ativas, que fazem os estudantes mais ativos, a serem o que são atualmente. Não se pode ignorar que um jovem aprende jogando quaisquer tipos de jogos, mas que fazer dessa diversão o próprio estudo é dizer, em sentido protagoriano, que se aprende qualquer coisa vivendo, uma vez que “o homem é a medida de todas as coisas”. Pronto! Chega-se ao ponto crítico do pedagogismo: a inclusão de novas ferramentas deve ser compreendida como auxiliar, não como uma nova metodologia em “stricto sensu”.

Com efeito, o que se vê é uma estética da experiência diluída em um pragmatismo vulgar travestido de inovação. O pedagogismo, como “metarrelato” contemporâneo da aprendizagem, alinha-se a uma espécie de performatividade do saber, cuja substância reside menos na formação crítica e mais na satisfação imediata das vontades do aprendiz, tornado agora um “sujeito em processo”, cuja autoridade epistêmica afirma-se na própria disposição para experimentar. Não se exige mais do estudante o esforço da decodificação hermenêutica do saber, mas antes que ele “se engaje”, que “participe”, que “interaja”. A pedagogia, sob este paradigma, transmuta-se em administração de afetos e fluxos, em uma engenharia emocional mais do que em uma ciência da formação humana. Nesse cenário, o professor passa a ser menos um transmissor de conteúdos ou um orientador intelectual e mais um animador sociocognitivo, uma espécie de curador do bem-estar da turma, um maestro das sensibilidades, responsável não por ensinar, mas por garantir que todos “se sintam parte do processo”.

Ora, o ápice desse discurso se revela quando se institui a equivalência entre qualquer vivência e qualquer forma de aprendizagem. Sob tal lógica, a distinção entre conhecimento disciplinado e experiência cotidiana esvanece-se em um caldo indistinto de significações onde tudo tem valor formativo, ainda que o sujeito não saiba exatamente o que está aprendendo. Volta-se, assim, à perigosa premissa protagoriana: se tudo pode ser medido pelo homem, qualquer coisa pode ser tomada como saber. Eis, portanto, o fechamento do círculo: a crise epistemológica da educação contemporânea, marcada por um nominalismo metodológico e por um ecletismo apressado, resgata, ainda que sob novos nomes e por outras vias, o velho relativismo subjetivista. O homem, agora remodelado sob os moldes do sujeito hiperconectado, multitarefa e hiperafetivo, torna-se novamente a medida de todas as coisas, mas já não mais como potência filosófica, e sim como limite do possível pedagógico.

*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins.