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Opinião

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT. Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

Dos tempos antigos pode-se retirar uma série de valiosas lições para a vida. Não seria diferente com princípios articuladores de comportamentos externos e internos. A constância, como uma característica que se dá bem com a consistência, é um desses. Ela permite ver o raio de cobertura da atuação humana em seu aspecto fragmentário e contínuo. Seu significado é existencial, não apenas semântico, uma vez que sua impressão é sentida tanto na exterioridade quanto na interioridade do ser que dela faz a aplicação. Na verdade, ela dá o tom da continuidade, sem deixar de marcar a desagregação. Diante de tamanha amplitude, como colocar a constância em marcha?

Justo Lípsio, autor belga do século XVII, retomando os ideais estoicos sob uma roupagem cristã e humanista, propõe a constância como a disposição firme e racional da alma diante das adversidades, um eixo interior que não se dobra ao ímpeto das paixões nem à instabilidade do mundo. Em sua obra “Sobre a Constância”, ele aconselha que o espírito constante não é aquele insensível, mas o que, tendo compreendido a transitoriedade das coisas e a inevitabilidade da dor, recusa-se a ser arrastado por elas. Constância, portanto, não é rigidez, mas resistência flexível: é saber-se vulnerável sem perder o centro, é ser atingido sem ser derrotado.

Nesse sentido, cultivar a constância em tempos de perturbação, sejam individuais, sociais ou históricos, implica em um trabalho ético e disciplinar da razão, que reconhece o caos sem ceder ao desespero. O homem constante de Lípsio não é um indiferente, mas um lúcido. Ele enxerga a crise e nela se firma, não porque ignora seus efeitos, mas porque já se preparou interiormente para enfrentá-los. A constância torna-se, então, um exercício cotidiano de firmeza emocional e intelectual, que não recusa o mundo, antes, o atravessa com serenidade. E, mais do que isso, torna-se um gesto político e filosófico de afirmação do sujeito frente à fragmentação e ao ruído que tentam dissolver sua identidade e seu juízo.

Essa disposição firme, no entanto, não se realiza apenas nas altas esferas da filosofia, mas se corporifica nas escolhas mais simples do cotidiano. A constância está, por exemplo, na atitude de quem segue seus compromissos mesmo quando o entusiasmo inicial esvanece-se; no estudante que, mesmo diante do cansaço ou das distrações, persiste no hábito da leitura e do estudo; no trabalhador que mantém sua ética e disciplina, mesmo quando não há aplausos ou recompensas visíveis; no pai ou na mãe que, silenciosamente, sustenta com amor e firmeza a rotina doméstica, não por impulso, mas por uma decisão contínua de cuidado. Esses são sujeitos que, talvez sem o saberem, atualizam o ideal lípsiano de resistência racional às paixões que desestabilizam.

Mais ainda: a constância se manifesta na coragem discreta de quem escolhe não se deixar contaminar pela fúria do momento, pelas indignações fabricadas das redes sociais, ou pela ansiedade que nos cobra respostas imediatas. É o sujeito que cultiva o silêncio reflexivo, que aguarda o tempo de maturação dos afetos antes de agir, que confia na travessia longa dos processos e resiste à lógica da pressa. Ele não é alheio ao mundo, antes, recusa a histeria do tempo, e nisso se afirma como um ser ético, pois escolhe a permanência da razão no lugar do tumulto das emoções voláteis.

Portanto, a constância também exige um enfrentamento contínuo de si mesmo. Ela não é só fortaleza perante o externo, mas principalmente uma vigilância diante das oscilações internas: dos desejos que desviam, das vontades que se contradizem, das ilusões que seduzem. Ser constante é, em alguma medida, reconciliar-se com a impermanência sem sucumbir à desistência. É o exercício de quem se compromete com um projeto de vida, uma causa, uma verdade, e, mesmo quando o mundo inteiro parece conspirar contra essa fidelidade, escolhe permanecer. Não por teimosia cega, mas por uma clareza lúcida, semelhante àquela que Lípsio via nos antigos estoicos: a consciência de que viver bem é, acima de tudo, manter-se inteiro.

*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins.