Vaqueiro que vivia com família em casa de taipa com parede caída, trabalhadora boliviana que deu à luz e retornou ao trabalho após somente uma semana de internação e jovem de 18 anos que bebia água de córrego e vivia em alojamento feito com tapumes. Essas são algumas das vítimas de trabalho escravo encontradas durante a Operação Resgate V, que aconteceu entre os dias 15 de setembro e 15 de outubro. A iniciativa é realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em conjunto com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Federal (PF).
Ao todo, foram realizadas 47 operações em 19 estados e no Distrito Federal. Durante as inspeções foram constatadas graves violações de direitos humanos, como moradia em barraco de lona e madeira, adolescente submetido a trabalho escravo, jornadas exaustivas que iam das 7h30 às 22h30 e vítimas que precisavam pagar R$ 150 ao empregador pelo traslado ao município mais próximo da propriedade.
De acordo com o coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete), Luciano Aragão, "as operações demonstram a gravidade e persistência do trabalho escravo no Brasil. Encontramos situações de extrema vulnerabilidade social, com trabalhadores vivendo em condições degradantes, sem acesso aos direitos mais básicos. A integração dos órgãos públicos foi fundamental para resgatar essas vítimas e responsabilizar os empregadores. Neste aspecto, a atuação do Ministério Público do Trabalho assegurou a reparação dos danos causados às vítimas e à coletividade, além da correção das irregularidades encontradas, prevenindo novas ocorrências”.
Conheça alguns casos
Divulgação/MPT
Em Monção (MA), um vaqueiro de 58 anos foi resgatado em 16 de setembro. O trabalhador cuidava de cerca de 200 cabeças de gado e exercia suas atividades sem carteira assinada há mais de 14 anos. Além da ausência de registro formal, nunca recebeu férias, 13º salário ou foi submetido a exames médicos.
A equipe de fiscalização constatou que o homem vivia com a esposa e três filhos em uma casa de taipa coberta de palha, com rachaduras e sem banheiro, o que obrigava a família a realizar as necessidades fisiológicas e tomar banho ao ar livre. Parte da moradia já havia caído em razão das chuvas e foi reformada pelo empregado. No local, também não havia acesso a água potável, e o ambiente era cercado de riscos, incluindo a presença de cobras venenosas.
Diante das condições de trabalho, o empregador firmou termo de ajuste de conduta com o MPT. O trabalhador recebeu o pagamento das verbas rescisórias no valor de R$ 65.952,88, que foram quitadas durante a ação.
No município de Pinheiro (MA), a inspeção encontrou um trabalhador de 57 anos em situação de trabalho degradante após mais de dez anos de serviço em uma fazenda de criação de búfalos. O vaqueiro não possuía registro profissional e tinha como único documento a certidão de nascimento, emitida apenas em 2023.
Durante todo o período, ele não recebeu salário, apenas bezerros como forma de pagamento, sistema conhecido como “sorte”. Ele vivia em condições extremamente precárias, em uma casa de taipa coberta de palha com parede caída, sem banheiro e sem acesso a água potável. O trabalhador relatou que tomava banho em um igarapé e fazia suas necessidades ao ar livre, além de nunca ter recebido equipamentos de proteção ou realizado exames médicos.
A fiscalização constatou que o alojamento estava quase demolido e confirmou a ausência total de condições básicas de trabalho e moradia, incluindo falta de alimentação fornecida pelo empregador e inexistência de descanso semanal. Diante disso, o proprietário da fazenda e seu filho assinaram termo de ajuste de conduta proposto pelo MPT. O acordo prevê a assinatura da carteira de trabalho com admissão retroativa a 2013, o recolhimento do FGTS, pagamento de verbas rescisórias e indenização por dano moral individual, totalizando R$ 132.725,87.
Apesar do compromisso formalizado, até o momento os valores não foram quitados. O MPT informou que será ajuizada ação de execução do termo de ajuste de conduta para garantir o cumprimento das obrigações assumidas.
Em São Paulo (SP), 16 trabalhadores bolivianos foram resgatados em uma oficina de costura, entre eles uma trabalhadora que deu à luz recentemente e foi obrigada a retornar ao trabalho após uma semana de internação e cerca de um mês de afastamento. Sem condições adequadas para o cuidado da filha, a mulher mantinha o bebê em uma rede improvisada na garagem da oficina.
A equipe de fiscalização constatou jornada exaustiva, com início às 7h e término por volta das 22h30, de segunda a sexta-feira, além de condições precárias de moradia e trabalho. O empregador custeava as passagens para a vinda dos trabalhadores ao Brasil, mas descontava o valor integral do primeiro pagamento, criando um ciclo de endividamento que dificultava o rompimento do vínculo.
O alojamento apresentava sérios riscos à saúde e à segurança, com fiação elétrica exposta, instalações improvisadas e acesso limitado à água potável, restrito ao andar superior da residência.
Três trabalhadores foram resgatados de condições semelhantes às de escravos em uma carvoaria em Capão Bonito, na região de Itapetininga, no sudoeste paulista. Os três trabalhavam informalmente, sem registro em carteira de trabalho. Não lhes eram fornecidos equipamentos de proteção individual e áreas de vivência para descanso e refeição.
Dois trabalhadores residiam em um casebre feito de madeira, com várias goteiras e estado de higiene e conforto bastante precário, o que atraía ratos ao alojamento. A caixa d’água da moradia também estava muito suja.
Em outra casa, dentro da propriedade onde funcionava a carvoaria, morava outro trabalhador com sua família, composta de esposa e três filhos. Todas as vezes que precisavam ir para à cidade mais próxima, precisavam pagar R$ 150 do próprio bolso para custear o traslado. A porteira da propriedade permanecia trancada o tempo todo com cadeado, e os carvoeiros não possuíam a chave.
O MPT e a DPU celebraram Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o empregador, pelo qual garantiu o pagamento de verbas rescisórias e indenizações por danos morais individuais. Originários da região norte de Minas Gerais, os trabalhadores retornaram para suas cidades com transporte custeado pelo empregador. Além disso, eles tiveram direito de receber parcelas do seguro-desemprego.
A força-tarefa resgatou um trabalhador em condições semelhantes à escravidão na cidade de Itapeva (SP), no Vale do Ribeira. O jovem resgatado, com 18 anos de idade, bebia água de um córrego vizinho, a mesma consumida pelos cavalos em um curral que se localizava ao lado do alojamento. Os vidros das janelas estavam quebrados, expondo o trabalhador ao desconforto térmico.
Ele trabalhava no cultivo de hortaliças, na região rural da cidade, e residia em um casebre em condições degradantes. Além de não possuir energia elétrica e rede de esgoto, o alojamento de apenas dois cômodos foi construído de maneira improvisada com tapumes e madeiras compensadas. Anteriormente, o local era utilizado como depósito de materiais e ferramentas de trabalho. Em um dos quartos havia duas camas, tendo sido uma delas trazida pelo próprio empregado, e no outro cômodo havia um espaço com fogão a lenha.
Além disso, o trabalhador não possuía registro em carteira de trabalho, nem equipamentos de proteção individual (EPI); as frentes de trabalho não possuíam áreas de vivência para descanso e refeições.
O empregador celebrou termo de ajuste de conduta (TAC) pelo qual se comprometeu a pagar as verbas rescisórias do trabalhador, bem como uma indenização por danos morais individuais. Além disso, o TAC traz cláusulas que preveem a criação de área de vivência nas frentes de trabalho. O empregador também garantiu o custeio de hospedagem provisória do jovem em um hotel até que ele retorne para Ribeirão Branco (SP), sua cidade de origem. A passagem de ônibus e os custos de traslado também serão pagos pelo empregador.
Uma operação realizada em 15 de setembro no município de Nova Maringá (MT) resgatou 17 trabalhadores, entre eles um adolescente de 17 anos, que viviam e trabalhavam em condições semelhantes à escravidão em uma fazenda voltada à extração de madeira e limpeza de área rural. A inspeção constatou alojamentos improvisados, falta de higiene, ausência de água potável e alimentação precária.
Os fiscais encontraram parte trabalhadores dormindo em barracos de lona e madeira, sem ventilação e sobre colchões velhos apoiados em toras de madeira, enquanto outros dormiam em redes ao lado de tambores de óleo e combustível. Nenhum possuía carteira assinada, salário regular ou equipamentos de proteção, e homens armados circulavam pela área.
O MPT responsabilizou solidariamente a empresa do setor madeireiro T. F. Zimpel Ltda., administrada pela ex-Miss Mato Grosso, Taiany França Zimpel, e os proprietários da Fazenda Eliane Raquel e Quinhão, que exploravam e comercializavam a madeira extraída. Foram firmados termos de ajuste de conduta (TAC) totalizando R$ 500 mil em danos morais coletivos, além do pagamento de R$ 620 mil em verbas rescisórias e indenizações individuais. No total, os valores devidos somam R$ 1,6 milhão, destinados à reparação das vítimas e à promoção de medidas de prevenção ao trabalho escravo. (Secom MPT)