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Foto: Divulgação

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A Medicina é uma das profissões mais nobres e também uma das mais expostas a riscos jurídicos. O médico atua diretamente com a vida, o corpo e a saúde do paciente, o que torna inevitável a presença de conflitos e questionamentos, especialmente em uma sociedade cada vez mais litigiosa e digitalizada.

Em um cenário em que cresce o número de ações judiciais e processos éticos no Conselho Regional de Medicina, a blindagem jurídica da carreira médica deixou de ser um luxo e tornou-se uma necessidade.

A boa notícia é que grande parte das demandas contra médicos poderiam ser evitadas com gestão de risco jurídico, documentação adequada e educação legal preventiva e é sobre isso que este artigo se propõe a tratar.

Judicialização da medicina

Os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e dos Conselhos Regionais de Medicina demonstram um aumento expressivo nas demandas envolvendo erro médico, especialmente nas áreas de estética, ginecologia, obstetrícia, ortopedia e cirurgias eletivas.

Além disso, o avanço das redes sociais e a mudança na relação médico-paciente ampliaram a visibilidade de insatisfações e, consequentemente, as chances de litígio.

A judicialização da saúde não se restringe a falhas técnicas. Cada vez mais, médicos são acionados por falta de informação adequada, ausência de consentimento, falhas na comunicação ou carência de registros no prontuário, elementos que, isoladamente, configuram falhas jurídicas, mesmo diante de uma conduta clínica tecnicamente correta.

A atuação médica é regida por um tripé de responsabilidades: civil, ética e penal. A responsabilidade civil busca reparar danos causados ao paciente, geralmente por meio de indenizações. A responsabilidade ética é apurada pelo Conselho Regional de Medicina e pode resultar em advertência, censura, suspensão ou até cassação do registro profissional. 

Já a responsabilidade penal decorre de condutas que se enquadram como crime, como homicídio culposo, omissão de socorro ou lesão corporal. Diferentemente de outras profissões, a responsabilidade do médico não é apenas técnica, mas também documental e comunicacional, o que significa que o profissional pode ser inocentado no campo técnico e, ainda assim, ser punido por não ter registrado adequadamente o atendimento.

Blindagem Jurídica

Blindar a carreira médica significa criar um sistema preventivo de proteção jurídica, sustentado em três eixos principais. O primeiro é a documentação técnica e legal, que envolve a manutenção de um prontuário médico completo, com o registro de todas as condutas, orientações e intercorrências, sendo esse o maior aliado do médico em um eventual processo. 

Também é essencial o uso de termos e consentimentos informados, claros e específicos para cada procedimento, especialmente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que comprova que o paciente foi devidamente informado. Além disso, fichas de anamnese e termos de recusa ajudam a prevenir alegações de omissão de informação ou conduta indevida, enquanto o termo de alta e a autorização de uso de imagem asseguram o encerramento ético do atendimento e o uso adequado de registros em mídias.

O segundo eixo é a comunicação e o relacionamento com o paciente. A maioria dos processos contra médicos nasce de falhas de comunicação, por isso é fundamental adotar uma postura empática, explicar riscos, ouvir o paciente e registrar todas as orientações. O bom diálogo, aliado à documentação adequada, reduz significativamente o risco de ações judiciais.

Por fim, o terceiro eixo é a estrutura jurídica e o compliance médico, que inclui a elaboração de contratos de prestação de serviços bem redigidos, definindo obrigações, honorários e responsabilidades. Também é necessário adequar a clínica à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), uma vez que a exposição de prontuários e dados de pacientes pode gerar sanções. Além disso, recomenda-se implementar protocolos internos e realizar treinamentos com a equipe, especialmente secretárias e técnicos, sobre conduta ética e sigilo profissional.

Advocacia preventiva

A advocacia preventiva é o elo entre a boa prática médica e a segurança jurídica. O advogado especializado atua na construção de documentos legais, revisão de contratos, implementação de políticas de compliance médico e defesa estratégica em processos éticos e judiciais.

Mais do que reagir a ações, o advogado médico auxilia na formação de uma cultura de segurança dentro das clínicas e consultórios, evitando prejuízos reputacionais e financeiros.

Blindar a carreira médica é, em essência, praticar uma medicina consciente, transparente e juridicamente preparada. Cada registro, cada termo, cada contrato é uma camada de proteção construída com responsabilidade e técnica.

Em um ambiente em que um processo pode destruir reputações e anos de dedicação, a prevenção é o melhor remédio jurídico. Como diz o Código de Ética Médica, “a boa prática médica começa com o respeito à dignidade do paciente e se consolida na prudência do profissional.” Da mesma forma, a boa prática jurídica começa na informação e se consolida na prevenção.

*Daniela Junqueira Andrade é advogada com foco em Direito Médico, graduada em Direito pela Universidade Católica do Tocantins. Pós-graduada em Direito do Consumidor, com curso de extensão em Direito Civil e Processo Civil, além de formação em Conciliação. Atua na assessoria jurídica de profissionais da saúde, com ênfase em responsabilidade civil, contratos médicos e estratégias de prevenção de riscos jurídicos na prática clínica.