Vive-se hoje em uma era de dicotomias. De um lado, a fria e impessoal planilha do Excel; do outro, o calor turbulento e imprevisível do coração. No palco do nosso cotidiano, dois atores principais, o raciocínio lógico e o raciocínio psicológico, frequentemente atuam em peças separadas, quando deveriam compor uma única narrativa coerente na engrenagem da vida. Esta divisão, longe de ser um mero exercício filosófico, possui desdobramentos profundos e, por vezes, dolorosos, tanto no âmbito individual quanto no âmbito coletivo.
O raciocínio lógico é o arquiteto da mente. Ele opera por regras de combinação, dados, causalidade e eficiência. É ele que faz calcular o orçamento doméstico, escolher a rota mais rápida para o trabalho ou avaliar os prós e contras de uma proposta de investimento. É , como muitos disseram e ainda dizem, a “voz” da razão, que busca otimizar e prever. Já o raciocínio psicológico é o poeta. Ele é movido por emoções, vieses, experiências passadas e valores subjetivos. É ele que faz amar alguém “inadequado” no papel, sentir uma desconfiança inexplicável por um colega ou comprar um carro não pela sua eficiência, mas pelo que ele simboliza para nossa identidade.
Eis o antagonismo de ambas, uma em relação à outra. O problema não reside na existência dessas duas formas de pensar/sentir, mas na incapacidade de integrá-las de forma saudável. Em vez de um diálogo, frequentemente testemunha-se um monólogo, onde um silencia o outro.
Observe as finanças pessoais e a compra por impulso. O raciocínio lógico diz: “Você não precisa deste novo smartphone. O seu atual funciona perfeitamente, e esse gasto comprometerá sua meta de poupança para a viagem no final do ano”. O raciocínio psicológico, porém, sussurra: “Mas imagine a inveja dos seus amigos! Veja como a câmera é melhor. Você merece esse presente, trabalhou tanto”. Neste embate, quando a voz psicológica cala a lógica, o resultado é um prazer imediato seguido de um arrependimento duradouro e, muitas vezes, de um problema financeiro concreto. A emoção, não mediada pela razão, torna-se uma má conselheira para o futuro.
Veja os relacionamentos e a “prova” irracional. Um parceiro chega atrasado a um jantar. A lógica poderia explorar hipóteses: “O trânsito estava intenso, ele teve uma reunião que se estendeu”. No entanto, o raciocínio psicológico, alimentado por inseguranças passadas, pode impor uma narrativa catastrófica: “Ele não se importa comigo. Se importasse, teria saído mais cedo. Está perdendo o interesse”. A ação subsequente, uma cobrança agressiva, um clima de silêncio, nasce não do fato em si, mas da interpretação emocional distorcida do fato. A relação, neste caso, é prejudicada não pela realidade, antes, pela ficção criada pela mente, ou seja, pela voz psicológica.
Olhe a esfera pública e a polarização. Esse é talvez o desdobramento mais perigoso da cisão. Debates políticos e sociais são, em tese, terrenos férteis para a lógica: análise de dados, avaliação de consequências, argumentação baseada em evidências. Contudo, o que vemos é a dominância do raciocínio psicológico tribal. As pessoas não aderem a ideias porque são logicamente sólidas, e sim porque essas ideias confirmam seus vieses, fazem-nas sentir parte de um grupo ou alimentam seu ressentimento para com um outro grupo. O “outro lado” deixa de ser um interlocutor com argumentos diferentes para se tornar um inimigo moral, um herege a ser combatido. A lógica é abandonada em favor da identidade grupal, então, prevalece o raciocínio psicológico.
A solução, portanto, não é anular o poeta em favor do arquiteto, nem vice-versa. É promover uma alfabetização emocional integrada à razão. É necessário aprender a ouvir a voz psicológica sem necessariamente obedecê-la cegamente. Reconhecer que a ansiedade antes de uma apresentação é um fenômeno psicológico legítimo, mas que a decisão lógica de se preparar e enfrentar o desafio é a que trará crescimento.
Deve-se cultivar o hábito de perguntar: “Estou decidindo com a cabeça ou estou apenas justificando uma decisão que já tomei com o coração?”. A vida plena não é um drama desenfreado. É uma composição magistral na qual a lógica fornece a estrutura relativamente harmônica e a psicologia, a melodia e a emoção. Ignorar uma em detrimento da outra é condenar-se a viver em um mundo mais pobre, mais conflituoso e, no fundo, menos verdadeiro. O mínimo de sabedoria, afinal, reside exatamente no ponto de equilíbrio, no qual a voz do poeta pode adentrar o edifício do arquiteto e ecoar por suas estruturas, isto é, no ponto no qual a razão acalenta o coração e o coração ilumina a razão.
*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins.

