Proponho que o artigo 1º do novo Código Florestal seja explícito e taxativo: "Não será permitida nenhuma derrubada florestal em todo o território nacional, sendo garantida a preservação das matas ciliares (margens dos rios, córregos, nascentes e lagoas) nos limites fixados por laudos geológicos, contra os riscos de erosão e prejuízos aos aquíferos."
Naturalmente, essa redação é improvisada e o texto adotado deverá atender a exigências tanto ambientais quanto de técnica jurídica, mas o espírito é esse. Que seja uma declaração prévia do compromisso da agropecuária com a defesa do meio ambiente e, ao mesmo tempo, a garantia de segurança jurídica para quem produz no campo.
Antigamente, quando as leis eram mais eficazes e literariamente enxutas, essas afirmações peremptórias constavam dos famosos parágrafos que radicalizam a intenção dos legisladores. Ou alguém neste país já esqueceu o professor Sobral Pinto no inesquecível comício das Diretas-Já, em 1984, no Rio - 1 milhão de pessoas na Candelária! -, recitando solenemente o § 1º do artigo 1º da Constituição: "Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido"?
Citando um só parágrafo, o notável advogado liberal derrotava, com o argumento moral, a arrogância do regime militar, que depois de 20 anos de poder absoluto se rendia à força da citação singela e suficiente. Pois procuro algo semelhante. Um artigo 1º para o futuro Código Florestal que não deixe dúvidas, seja taxativo, satisfaça todas as exigências, dirima todas as suspeitas, desarme os ânimos mais exaltados. Mas, ao mesmo tempo, possibilite uma afirmação da consciência ecológica do povo brasileiro, solidária com o clamor de toda a humanidade. Sem, naturalmente, perder-se no labirinto de utopias que se desviam da realidade econômica e social, perseguindo propostas irrealistas.
Não sei se sou pouco original nessa discussão nem quero reviver antigos desencontros pelos quais não fui responsável, mas parto de três entendimentos que se harmonizam e se completam para ajudar a construir uma solução de compromisso nova na forma e no conteúdo, em nome da agropecuária brasileira. O primeiro princípio é óbvio: a defesa intransigente do meio ambiente, considerando que a civilização acordou com bastante atraso para sua preservação, quase no limite do risco irreversível. Portanto, temos uma questão de salvação pública, um imperativo da condição humana.
O segundo é a realidade histórica, prática milenar na vida do planeta, quando o homem se comportou perdulariamente com relação à natureza, substituindo sua cobertura natural, irreversivelmente, como se fosse um bem inesgotável. Imagine-se que na velha Europa desapareceram 99,7% das florestas, 92,2% na pobre África, 94,4% na Ásia, 92,3% na América Central. No caso brasileiro, o desmatamento de 25% a 30% das florestas, restando ainda aproximadamente 470 milhões de hectares de matas, criou um estoque de terras para plantio e criação de 383 milhões de hectares suficientes, dispensando definitivamente novos desmatamentos.
A terceira questão que se apresenta é a produção agropecuária, especialmente de alimentos, item tão importante quanto a preservação ambiental, desde que a terra seja trabalhada com consciência ecológica e obedecendo aos padrões científicos e tecnológicos da preservação. Como no caso, por exemplo, das áreas de preservação permanente das margens dos rios, que devem ter a largura determinada pelo declive e pela profundidade da cobertura arenosa ou argilosa do solo. Pela legislação atual, sem nenhum fundamento pedológico, está estabelecida por uma tabela rígida e irrealista (tanto que teve suspensa sua aplicação, por inaplicável) de 100, 200 e 500 metros às margens dos cursos d?água em que é proibido plantar, em todo território nacional. O critério desse espaço é definido pela largura do espelho d?água, sem considerar a questão essencial do solo e declive, como ensinam os pesquisadores da Embrapa. Ou a Embrapa pode ser acusada de conspiração contra o meio ambiente?
Assumindo a responsabilidade de 24% do PIB e, além de abastecer o mercado interno, gerar 36% das exportações totais (US$ 58,4 bilhões), a agropecuária nacional não é uma aventura marginal nem uma força reacionária no processo social brasileiro, tem um papel de vanguarda na economia. Assim, deve ser reconhecida como protagonista essencial num debate que tem que ver com alguns de seus temas fundamentais - a preservação e vitalidade do solo, bem como da qualidade das águas -, que certamente nenhum outro grupo debatedor tem mais motivações para defender.
Um estatuto ambiental equilibrado, eficiente e prático é indispensável à segurança jurídica da atividade agropecuária e à sua própria responsabilização perante a sociedade. Tal segurança e responsabilização, porém, tornam-se inviáveis se mantida a legislação vigente, impossível de ser cumprida, pois impede a produção de alimentos em 71% do território nacional. Isso num país onde, infelizmente, 23 milhões de pessoas ainda passam fome, segundo dados da ONU.
A saída, portanto, ao alcance de um gesto de boa vontade geral, sem ranhetices, preconceitos ou radicalismos, é buscar o consenso e a aplicação de soluções simples, como a do artigo 24 da Constituição, que estabelece a competência da União para fixar as normas gerais (e a aprovação de um novo Código Florestal moderno e vigoroso é a oportunidade perfeita para isso) e os Estados se encarregarão de aplicá-lo conforme as situações regionais específicas.
Aliás, é hora de quebrar o monopólio usurpado por um grupo de falsos anjos da natureza que pretende decidir o que pode e não pode em matéria de meio ambiente, recusando verdades científicas e laudos insuspeitos da Embrapa, referência essencial do desenvolvimento sustentado da agropecuária brasileira. A Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), que presido, dispensa quem investe no confronto e insiste no diálogo para ajudar a construir um Brasil com mais comida, meio ambiente, diversão e arte.
Kátia Abreu é senadora (DEM-TO)