A equipe do projeto Rota do Sal desembarca, no domingo (12), em Palmas. A chegada à mais nova capital brasileira registra 500 km percorridos, em caiaques, pelo Rio Tocantins. O projeto idealizado e realizado pelos diretores da Avesso Filmes (MG) refaz a saga fluvial dos negros do Quilombo Kalunga. Durante séculos, os quilombolas navegaram o Tocantins, de seu território na Chapada dos Veadeiros (GO) até Belém (PA), para trocar produtos produzidos no Quilombo por sal, item essencial para a sobrevivência.
A partir do levantamento histórico de toda a extensão da Rota do Sal Kalunga, os realizadores André Portugal e Cardês Amâncio vão percorrer 2.400 quilômetros e atravessar 4 estados brasileiros (Goiás, Tocantins, Maranhão, Pará). Porém fazem uma ressalva: “percorreremos apenas uma parte do caminho, uma vez que os Kalunga tinham de retornar rio acima e com suas embarcações em carga máxima”, contam os diretores.
A equipe conta com sete pessoas que percorrem todo o trajeto pelo rio. São quatro pessoas nos caiaques e três navegando nos barcos da Naturantins /TO e dos Bombeiros/TO. Em Palmas, a equipe completa um quinto do trajeto dessa empreitada cinematográfica pela rota do sal brasileira. Da capital do Tocantins, os cineastas seguem para Lajeado.
Todos os envolvidos na remada têm ligação com esportes de aventura, principalmente práticas de escalada e montanhismo. Além do preparo físico, uma aventura deste porte também conta com preparação mental. “Não houve nenhum tipo de preparação especial, a não ser seguir com uma rotina de esportes sempre em sintonia com a preparação mental, sabíamos que o rio seria nosso personal trainner e a determinação seria nosso guia”, comenta André Portugal.
A pré-produção foi feita entre 2005 – quando os realizadores tiveram contato com a história do povo Kalunga – e 2011, quando deram início à expedição cinematográfica. O registro audiovisual da aventura e todas as histórias colhidas ao longo da jornada pelo Rio Tocantins darão origem ao documentário de longa metragem.
A Rota do Sal
Heróis desconhecidos – esta é uma boa definição para os Kalungas que desbravaram a Rota do Sal. Considerada uma “odisséia tupiniquim”, a Rota do Sal Kalunga foi traçada a remo. Através do Rio Tocantins, os negros percorriam cerca de 5 mil quilômetros de território brasileiro em busca do alimento essencial para os homens e o gado: o sal. Vem daí a origem da palavra salário - sal, a moeda de troca por trabalho no vasto sertão do planalto goiano.
A jornada durava um ano. Tal como uma saga, a viagem tinha como ponto de partida o Rio Paranã - “igual ao mar”, em língua tupi. Mais ao norte, o Paranã é o principal tributário do Tocantins. Segundo o Marquês de Pombal, “(...) é o mais seguro caminho para levar a civilização e o progresso ao interior do país.” O Tocantins foi, por mais de um século, a via do sal.
Nas primeiras décadas do século XX, outros caminhos para a troca de sal foram traçados, a partir do desenvolvimento do sudeste maranhense e do oeste baiano. A navegação no alto Tocantins ainda duraria mais algumas décadas, até a expansão da malha ferroviária brasileira e a construção da Rodovia Belém- Brasília nos anos 50. A Rota do Sal passou de história a memória, ao quase esquecimento. O projeto Rota do Sal Kalunga refaz histórica e social a aventura de um povo em busca de liberdade e sobrevivência.
O Rio Tocantins
O Rio Tocantins foi o grande arquiteto de uma sociedade que surgiu a partir de uma estreita ligação com suas águas que rasga o território em 4 estados, (Goiás, Tocantins, Maranhão,Pará). Tanto a vazante deixavam suas margens irrigadas para a plantação do ribeirinho, quanto era o caminho ideal e necessário de comunicação e abastecimento do centro ao norte brasileiro. Era pelo rio que chegavam todo tipo de mercadoria para estas cidades originária, desde o material que construiu suas casas e igrejas, quanto , especiarias e itens de luxo. Estes primeiros empreendedores nacionais precisaram se fazer além comerciantes, navegante; e em suas embarcações “de descida”, levavam sempre “a carne salgada, couro cru, óleos, grãos, mel e outros produtos não perecíveis de grande aceitação na praça do Pará.” “De subida”, navegavam com grandes cargas de sal, produto de primeira necessidade e ainda, tecidos, louças e boticas, ferragens, ferro em barra, aço, cobre em folhas, barricas com garrafas de cerveja, boticas de genebra em farinha de trigo, etc.”
As primeiras entradas e tentativas de ocupação das margens do grande rio, datam do século XVII, provavelmente se deram pelos missionários jesuítas. O Padre Antonio Vieira, autor dos “Sermões”, quem organizou e empreendeu, junto com outros três padres, a primeira entrada missionária pelo grande Tocantins. Durante o século XVIII, as notícias dos descobertos de ouro e instalação de diversas minas surgiam a cada ano: Agua Quente (1732); Natividade (1734); Traíras (1735); São José (1735);Cachoeira (1736); São Félix 1736); Pontal e Porto Real (1738); Arraias e Cavalcante (1740); Pilar (1741); Carmo (1746); Santa Luzia (1746); e Cocal (1749). Muitas destas minas deram origem a algumas das cidades de hoje. Data deste século também o início da formação do quilombo Kalunga. Alarmados com a possibilidade de extravio e contrabando do ouro via rio Tocantins, durante todo este século qualquer navegação pelo rio ficou proíbida por decreto da cora portuguesa. Pode – se supor que data do final do século XVIII, as primeiras expedições Kalunga em busca do sal.
Os Kalungas
Os Kalunga são, hoje, o maior remanescente quilombola do Brasil - algo próximo do que pode ter sido o mitológico quilombo dos Palmares. Seu território localiza-se ao norte de Goiás, onde vivem entre as serras, em casas de adobe, na beira dos rios. Formam uma população em torno de 5 mil herdeiros dos antigos navegantes negros.
Para entender a vida do povo Kalunga é preciso olhar com cuidado para a história, quando no Brasil não havia estradas e a liberdade dos negros era absolutamente cerceada. Em meados de 1700, os negros africanos foram levados para a província de Goiás, terra do ouro e do garimpo. O território (devido às dificuldades de acesso) parecia perfeito para a fuga desses homens escravizados.
À medida que os quilombolas desbravavam as matas e serras, encontravam os povos indígenas e daí novas relações se estabeleciam. Misto de liberdade e reclusão, a Kalunga, que na língua banto também significa lugar sagrado, de proteção, foi escolhido para viver pelos ex-escravos. Ali, começaram a observar o melhor tempo para plantar e colher, a reconhecer a madeira boa para construir as embarcações, móveis ou habitações, a descobrir plantas medicinais e novas formas de comércio.
A Avesso Filmes
A Avesso Filmes é uma produtora de cinema e vídeo, que desde 2004 vem contrariando as estatísticas do mercado audiovisual mineiro. Criada pelos dois diretores André Portugal Braga e Cardês Amâncio, quando ainda eram estudantes de comunicação, logo em seu primeiro ano de existência vieram as primeiras premiações e a participação em importantes festivais.
Fonte: Assessoria de Imprensa/A Rota do Sal