O procurador da República Álvaro Manzano intermediou audiência pública com os moradores de Cachoeirinha, no norte do estado, para buscar solução para a situação de conflito com os índios Apinajé, cujo território é vizinho ao município. O clima é de tensão tanto na cidade quanto nas aldeias desde um violento conflito em 2007 que culminou com a morte de quatro pessoas não índias, que tentavam reaver um trator que havia sido retido pelos índios como forma de pressionar a prefeitura a realizar serviços na terra indígena.
Os participantes da audiência pública revelaram que os assassinatos chocaram os moradores, e desde então existe um grande receio da comunidade. O sentimento é recíproco, pois os moradores de Cachoeirinha temem novos contatos com os Apinajé, mas eles também evitam ir à cidade. Enquanto os moradores citam o trauma vivido com as mortes e acreditam que será muito difícil um processo que reate as relações, os índios se recusaram a participar da audiência pública, mesmo tratando de assunto de seu interesse, por ser realizada em uma escola do município. Desde o conflito, os índios abandonaram as aldeias Buriti Comprido e Cocalinho, e só transitam pela parte oeste da terra indígena acompanhados de servidores da Funai, em incursões chamadas de vigilância indígena.
Após participar da 2ª Assembleia das Aldeias Apinajé (mais informações em www.prto.mpf.gov.br), Manzano relatou as situações que os índios consideram problemáticas, como o projeto de implantação da UHE de Serra Quebrada no rio Tocantins, os impactos causados pela UHE de Estreito e a atual situação com os moradores das cidades vizinhas. Durante a assembleia, houve relatos de invasão da terra indígena por não índios para retirada de madeira, caça e pesca, inclusive com ameaças aos índios que eram encontrados no local. A terra indígena Apinajé é uma das que sofre maior pressão do entorno, devido à proximidade com cidades e fronteiras com outros estados, além do fácil acesso.
Manzano ressaltou que o diálogo e o entendimento são as melhores formas de resolver impasses. “Se houve algum tipo de violência ou ilegalidade, não se pode responder da mesma forma. Existem instituições aptas a agir em cada situação”, disse. O procurador esclareceu que, embora não concorde nem compactue com ações violentas, os não índios que adentraram a terra indígena também cometeram um ilícito ao tentar reaver o equipamento retido por seus próprios métodos, quando a reação dos indígenas culminou com as quatro mortes. O procurador ressaltou que, em suas especificidades, o índio é um cidadão comum que deve responder por seus atos, e que existe um processo em trâmite para apurar as responsabilidades pelos assassinatos.
Esclarecimentos
A audiência pública contou com representantes do Ministério Público Estadual, Ibama, Funai, Advocacia Geral da União, polícias Civil, Militar e Federal, prefeitura e Câmara de Vereadores de Cachoeirinha, além dos moradores. A Polícia Militar apresentou casos de pessoas que cometem crimes na cidade e se abrigam na aldeia, cientes do impedimento em se entrar na terra indígena. A este respeito, foi esclarecido que a entrada da PM na terra indígena em situações de flagrante pode acontecer, mas para isso a Funai deve ser colocada a par da situação.
Também foi recomendado aos militares que em casos de necessidade de se perseguir fugitivos que buscam abrigo nas aldeias, as lideranças indígenas devem ser procuradas e alertadas sobre o caso antes de se iniciar efetivamente a busca no território dos índios. Para isso, foram informados telefones celulares de servidores da Funai em Tocantinópolis, unidade mais próxima e que responde pela terra indígena apinajé. “Nenhuma ação deve deixar de ocorrer quando necessária, mas o respeito à dignidade humana é uma prioridade”, disse o procurador. Também foram sugeridas ações de aproximação entre a Polícia Militar e os índios.
Parecer
Segundo parecer antropológico elaborado pela Procuradoria da Repúbica no Tocantins que ilustra o processo, as reações dos apinajé dificilmente podem ser atribuídas como cumprimento de ordens ou comandos partindo de um único indivíduo. Parece ter ocorrido uma reação de caráter coletivo envolvendo, em maior ou menor grau, todos os integrantes da comunidade que estavam presentes no momento da invasão, o que dificulta a individualização de responsabilidades.
Também é citado no parecer a inabilidade das organizações estatais em dialogar com uma cultura diferenciada. O povo apinajé adota uma lógica de assembleia, tomando as decisões de interesse da coletividade após debate das questões consideradas relevantes para a aldeia. Assim, a ausência dos órgãos convidados para participar das negociações para liberação do equipamento, momentos os quais os indígenas aproveitariam para expor suas preocupações e demandas para aqueles que consideram capazes de colaborar com sua resolução, contribuiu para que o caso viesse a ter um desfecho trágico. (Ascom MPF)