Há quem ache que o Estado não deveria interferir nas relações de família e que uma lei não resolveria o problema. Há quem pense que estabelecer um limite para a atuação dos responsáveis é uma estratégia necessária para proteger as crianças da violência. De qualquer forma, a Lei 13.010 de 2014, que ficou conhecida como Lei Menino Bernardo, foi aprovada em 26 de junho e está em vigor desde então, mas ainda é polêmica.
O que diz a lei?
“A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.”
No entendimento da lei, castigo físico é a “ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em sofrimento físico ou lesão”. Tratamento cruel ou degradante é a conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize.
Com a nova redação, os considerados agressores passaram a ser passíveis de medidas (além das que já eram estabelecidas anteriormente em casos de violência), como ser advertido, encaminhado a programa oficial ou comunitário de proteção à família, a tratamento psicológico ou psiquiátrico, a cursos ou programas de orientação. Além disso, pode ser obrigado a providenciar tratamento especializado à criança.
De acordo com o artigo 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente, os pais podem, ainda, perder a guarda, ser destituído da tutela e do poder familiar.
A história da palmada
Em seu artigo " Um monstro esconde-sem em casa. A violência doméstica contra crianças e adolescentes", a advogada Danielli Xavier Freitas faz um resumo histórico da palmada no Brasil.
Segundo o texto, na época da colonização do Brasil, um fato que chamou a atenção dos padres jesuítas foi a forma de educação adotada pelos índios. Segundo relatos do padre Luís da Grã, citado por Viviane Nogueira de Azevedo Guerra no livro “Violência de pais contra filhos: procuram-se vítimas” (São Paulo: Cortez, 1988), “os índios do Brasil nunca batem nos filhos por nenhuma coisa [...] não tem pai que açoite o filho e falar alto e de forma ríspida a criança sente muito mais do que lhe bater”.
Já os padres, da Companhia de Jesus em 1549, costumavam punir com palmatórias e tronco os catequisandos que faltavam à escola jesuítica. Para eles, o carinho, os vícios e pecados deveriam ser combatidos da mesma forma, com açoites e castigos, com o objetivo ensinar às crianças que a obediência aos pais era a única forma de escapar da punição divina. De tão indignados em relação às agressões, muitos indígenas abandonavam os estudos e a doutrina.
As crianças e adolescentes escravos também sofriam violências, de acordo com o artigo, principalmente de cunho sexual. Violências que, segundo conclui a autora, se propagam até hoje, com o aval da sociedade como forma de educação frente às leis do adulto.
Alternativa
Segundo Ligia Moreiras Sena, autora do livro “Educar sem violência - criando filhos sem palmadas" é preciso se informar muito para ensinar as crianças sem precisar recorrer à violência. Ela, que é bióloga, mestre em psicobiologia, doutora em Farmacologia e doutoranda em Saúde Coletiva, afirma que a tarefa não é fácil. “Facilidade não deve ser a meta neste caso (talvez em nenhum caso, mas nesse ainda menos). Em sendo, estamos fadados a perder uma das maiores oportunidades de mudança e transformação social e coletiva: a mudança pelas pessoas, pela educação, pela empatia e não violência”, defende em seu blog Cientista que Virou Mãe. (EBC)