Dedicadas à escuta de crianças ou adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, as salas de depoimento especial caminham para alcançar todo o Brasil, conforme prevê a Recomendação 33/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Espaços adaptados para as entrevistas já foram instalados por 23 Tribunais de Justiça (85%), segundo levantamento do CNJ.
Além desse ato normativo, outras iniciativas direcionadas a crianças e adolescentes foram encampadas pelo CNJ, como a criação do Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj) por meio da Resolução 231/2016, e a determinação para que os tribunais criem as coordenadorias da infância e na juventude, estabelecida na Resolução 94/2009.
Na avaliação do conselheiro Lelio Bentes, o CNJ tem dedicado especial atenção ao tratamento das garantias constitucionais de crianças e adolescentes. “Na função de órgão central e de governança, tem a atribuição de definir políticas públicas de aprimoramento, implementação e sistematização dos incrementos em prol de um sistema jurídico prioritário, ágil e eficiente de proteção à infância e à juventude”, aponta o conselheiro no voto que culminou na criação do Foninj.
Hoje, o País soma 124 salas de audiência sem dano, também chamada de escuta especial. O total indica aumento de 285% desde 2011, quando balanço da ONG Childhood Brasil listou 40 unidades em 16 estados. A Recomendação 33/2010 do CNJ acelerou a expansão, ao ver de Itamar Gonçalves, gerente da ONG. “O número cresceu exponencialmente no ano seguinte à recomendação. Isso demonstra o quanto o CNJ foi significativo. Até 2010, só tínhamos notícia de três salas”, conta.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) foi o pioneiro na instalação das salas de depoimento especial em 2003. O estado já contabiliza 25 salas instaladas na capital gaúcha e instalará mais 18 novos ambientes em comarcas do anterior. A estimativa do TJRS é, até o final do ano, equipar 25% das 164 comarcas de todo o estado com ambientes específicos para oitiva de crianças e adolescentes.
Procedimento especial
Nas salas de depoimento especial são aplicados estrutura e método especializados de acolhimento. No dia da audiência, horário e trajeto da criança são definidos de modo que não haja contato com o acusado. Em vez do juiz, um servidor treinado ouve a vítima no espaço equipado com aparato de gravação e transmissão. O vídeo é transmitido em tempo real para o local onde estão juiz, promotor e advogado do réu. Em certos locais, há interação entre as pessoas presentes no ambiente do tribunal e o entrevistador na sala de depoimento por telefone ou ponto eletrônico. Após a conversa, o material é arquivado e só volta a ser usado se necessário, como para produzir prova.
Casos de abuso sexual foram o principal fator para a criação dos espaços. Para conforto e segurança das vítimas, tribunais empregam os ambientes acolhedores também em oitivas de casos de alienação parental, tortura de crianças e agressões no contexto da Lei Maria da Penha. “Várias comarcas usam o mesmo espaço, que impede o contato com o suposto agressor. O método prevê cuidados antes, durante e depois do depoimento”, explica Itamar Gonçalves, gerente da ONG Childhood Brasil.
Protocolo específico
Iniciativas de depoimento sem dano, contudo, possuem alcance superior ao número de salas, segundo Itamar Gonçalves. “Há arranjos locais. Devemos contar as experiências e não só o número das salas”, aponta Itamar Gonçalves.
Na Paraíba, por exemplo, o Tribunal de Justiça usa ônibus para viajar até as comarcas das vítimas e colher os depoimentos, que são transmitidos à sala de audiência e gravados. No estado, a oitiva ocorre em sala isolada, reservada em caso de necessidade
Em Alagoas, uma psicóloga entrevista a vítima e faz estudo psicossocial antes da instrução criminal. A partir da avaliação, a profissional responde às questões da defesa e do Ministério Público. Se ainda assim for necessário ouvir a criança em audiência, o juiz requer a presença do psicólogo.
Tocantins deve instalar ambiente dedicado até o fim do ano, quando inaugura o Fórum de Araguaína. Por ora, equipe de psicólogos e assistentes sociais do governo local acompanha o depoimento ao magistrado, sem intervir. Rondônia também, mesmo sem o aparato das salas especiais, adota protocolo específico para ouvir crianças.