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Opinião

Gleidy Braga é Jornalista e bacharel em Direito especialista em Gestão e Políticas Públicas

Gleidy Braga é Jornalista e bacharel em Direito especialista em Gestão e Políticas Públicas Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Gleidy Braga é Jornalista e bacharel em Direito especialista em Gestão e Políticas Públicas Gleidy Braga é Jornalista e bacharel em Direito especialista em Gestão e Políticas Públicas

Pretensioso é tentar desvendar a vida de uma rainha, por meio de uma carta, escrita no calor da emoção de quem já sabia que, algumas horas antes, a morte a esperava. Mas essa (carta), entre tantas outras fontes, livros, documentários e séries, boa parte, que ainda não li ou assisti, por ora, é a principal razão para as minhas inquietações. 

São as indagações sobre a sua vida, que me remete, constantemente, para o continente europeu, para século XVI, para tecer comentários nada conclusos sobre as mulheres e os espaços públicos. Não aceito de bom grado trechos da carta deixada pela rainha escocesa, Maria Stuart, decapitada a mando de Elizabeth I, rainha da Inglaterra. Esse valioso documento histórico me incomoda profundamente como mulher, que acredita, ainda que os indicadores digam o contrário, que lugar de mulher também é na política.

O tempo nos separa, sou uma mulher do século XXI, uma mulher incomodada, que precisa de respostas. O que me resta é escrever, a partir do meu olhar de mulher contemporânea, e tentar acalmar meu coração para continuar na luta pelo poder. Sim, pelos espaços de poder. São neles que a agenda pública é construída; onde acontece a ação de governo para que haja soluções para os problemas da sociedade. 

De certo, podemos afirmar que Stuart governou a Escócia, mas foi destituída e forçada a abdicar do reino escocês em favor do seu filho de um ano de idade. Ou fazia isso, ou o seu encontro com a morte seria antecipado em 20 anos, tempo em que ficou presa a mando de sua prima Elizabeth I.

Para entender o que ela escreveu nesta carta, forço minha imaginação e me permito ir ao seu encontro. Não há esquizofrenia nisso, só uma tentativa de compreender o quão difícil é para quem está prestes a morrer, escrever algumas linhas na tentativa de recapitular sua vida. De modo que, para mim, Stuart foi uma mulher que amou, foi amada e muito maltratada. 

Ela era uma mulher requintada, elegante, criada na França e católica fervorosa. Durante toda a sua vida, foi uma opositora às reformas protestantes calvinistas. À frente do trono teve inúmeros rivais, mas, ao menos na carta, nenhum mereceu tanto destaque como a sua prima Elizabeth I. Partiu dela a ordem para decapitá-la.

Para Stuart, a prima não a poupou em nada. Expôs a reis, rainhas e aos súditos sua vida pessoal. Sob seu comandado, intrigas e mentiras sobre a vida amorosa de Stuart foram disseminadas. O que a deixou conhecida como uma  mulher adúltera, capaz até de mandar matar o segundo marido para se casar com o amante.

Diferente de Elizabeth, que não se casou e era conhecida como a rainha virgem, Stuart casou-se por três vezes. Primeiro, com Francisco II, rei da França, mas logo ficou viúva; depois com Henry Darnley, já em território escocês e como rainha escocesa, por fim com James Hepburn, a quem de fato amou. Contra ele pesava acusação de amante e de ter matado Henry Darnley.

Essa percepção de Stuart expõe uma estratégia antiga, mas bem atual. Não estou analisando o mérito da questão. Se ela traiu ou não o marido, se ela mandou matar ou não o marido. Estou aqui apenas analisando o fato de que quando se quer desconstruir uma mulher no poder, uma das primeiras estratégias que os adversários utilizam é expor sua vida pessoal. Não interessa se é verdade ou não, pois para nós, mulheres, vale o ditado popular, "onde há fumaça há fogo".

Infelizmente, as pessoas tendem a valorar a vida íntima das mulheres e a minimizar a dos homens. Tomás Cromwell, conselheiro número um do rei Henrique VIII, pai de Elizabeth, argumentava, por exemplo, que pouco importava como o rei tratava suas mulheres, apenas importava à sociedade como ele governava a Inglaterra. O rei chegou a decapitar duas das suas seis esposas. Em relação às mulheres, o contrário não é, e nunca foi verdadeiro. Importa, e muito, o que nós fazemos na nossa vida pessoal.

Stuart enfrentou também oposição em seu próprio país. Criada na França desde a infância e afastada por 13 anos da Escócia, teve dificuldades quando retornou para reivindicar o trono, pois enfrentou a ira de lordes e barões que, a todo o momento, tentavam destituí-la do poder. "Eles nunca recuaram diante da oportunidade de uma traição", disse ela. Isso também não é novidade. Se em democracias, onde o poder é compartilhado, temos situações embaraçosas, imagina num Estado absolutista, onde o poder é centralizado na figura de um rei; neste caso de uma rainha, o que agrava ainda mais a situação, tendo em vista que vai contra a ordem costumeira das coisas, ter uma mulher no comando de uma nação.

Talvez seja por isso que ela expôs na carta, o quão frágil é ser mulher e estar no poder. Em um determinado trecho, ela relata que para aplacar a ira dos ingleses e enfraquecer seus adversários, foi preciso celebrar um casamento político com um Tudor – família de monarcas britânicos que reinaram na Inglaterra entre os anos 1485 e 1603. Para ela, uma mulher sozinha seria incapaz de lidar com os conflitos de interesses, com as intrigas e as mentiras da época. Abre-se mão do amor em nome da governabilidade. Já em outro trecho da carta, Stuart é mais enfática, ao afirmar que para ser rainha, teria sido preciso ser menos mulher.

Há em mim também um incômodo com o fato de que foi uma mulher a responsável pela decapitação de outra mulher. Mas esse não é por enquanto intenção desse artigo. Por óbvio, teria que revisitar todo o contexto econômico, político, social, religioso e cultural da época para tentar entender, porque duas rainhas e ainda primas, foram tão rivais a ponto de Stuart questionar se estaria Elizabeth a sorrir com a sua morte.

No entanto, ao chegar até aqui sinto um alívio momentâneo e uma paixão enorme por um momento da história, que estou longe de conhecer. Como já mencionado, não há pretensão, pois não sou especialista, mas apenas uma mulher incomodada que acha que sobreviver nos espaços de poder para nós, mulheres, é uma tarefa árdua e, às vezes, impossível.

As últimas horas de vida de Stuart não devem ter sido nada fácil. Mas penso que sua preocupação em registrar em uma carta sua versão sobre os principais fatos que marcaram sua vida e antecederam sua morte foi bastante válida.

Os tempos são outros, pois não há decapitação, mas há diariamente discursos proferidos que buscam aniquilar nós, mulheres, dos espaços de poder. Como combatê-los? Com luta, trabalho e paixão. Hoje e sempre.

*Gleidy Braga é Jornalista e bacharel em Direito especialista em Gestão e Políticas Públicas e secretária da Cidadania e Justiça do Estado do Tocantins