Entre os dias 16 e 25 de março, Goiânia/GO se transforma na capital mundial dos filmes documentários, experimentais e sonoros produzidos nas mais diversas partes do planeta. Neste período, acontecem conjuntamente a terceira edição do Fronteira – Festival Internacional do Filme Documentário e Experimental (FFF) e a primeira edição da Bienal Internacional do Cinema Sonoro (BIS). Um tratado de cooperação sobre uma produção cinematográfica contemporânea, que não está nos catálogos das grandes salas de exibição, mas que representa a diversidade e a riqueza do mundo audiovisual enquanto produto de manifestações culturais e ideológicas. Nestes dez dias, as atividades e mostras acontecem nas duas salas do Cine Ritz (Rua 8, Centro), no Cine Cultura (Centro Cultural Marieta Telles Machado) e no Centro Cultural da UFG (Praça Universitária).
O Fronteira é realizado pela produtora Barroca e conta com recursos do Fundo Estadual de Cultura de Goiás, da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Goiás (Lei Goyazes) e da Lei Municipal de Incentivo à Cultura. Já o BIS é uma realização da F64 Filmes, com apoio do Fundo Estadual de Cultura de Goiás e da Lei Municipal de Incentivo à Cultura.
Cineasta feita de processo
A abertura dos dois eventos é conjunta e acontece no Cine Ritz, na quinta-feira, 16 de março, às 20h, com Entrada Franca. Neste dia, o público de Goiânia terá, mais uma vez, a chance de cruzar seu cotidiano com a obra de uma mulher nova-iorquina convulsa, que retira os pingos dos “is” e os transforma em holofotes, propondo uma leitura de mundo que não passa pela linearidade ou pelas convenções poéticas do cinema catártico.
Abigail Child oferece sua mais nova estreia mundial a uma casa já conhecida e com a qual se identifica. A cineasta, que tem mais de 30 anos de carreira e seu trabalho preservado como patrimônio cultural americano pela Cinemateca da Universidade de Harvard, esteve em Goiânia em 2014 para o I Fronteira e levou daqui a certeza de um trabalho consistente em apoio a uma produção audiovisual transgressora. Por essa empatia, Abigal se propôs a estrear seu mais novo filme neste momento e neste lugar. Acts & Intermissions é a obra que abre o III Festival Fronteira e a I Bienal do Cinema Sonoro, inter-relacionando os ambientes da busca pelo filme fronteiriço – característica do FFF - com o desejo de estruturar os estudos do som para o cinema - ocupação da BIS.
A artista refere-se à sua nova obra como um “documentário experimental” híbrido e prismático, que inclui conteúdos de arquivos e contemporâneos, que remontam aspectos da personalidade e da vida da anarquista Emma Goldman (1869 – 1940), mas que aborda principalmente temas como trabalho e propriedade, pureza revolucionária pessoal e liberdade. Emma foi uma ativista política que reunia milhares de americanos em suas conferências sobre liberdade. Teve um papel fundamental no desenvolvimento do anarquismo na América do Norte na primeira metade do século XX. Por este conteúdo simbólico, a obra de Abigail ainda assume um outro papel dentro do Fronteira: carrega consigo a missão de levantar o debate sobre a figura do feminino nas estruturas narrativas do audiovisual, tanto quanto a presença das mulheres como criadoras desses conteúdos.
A Fronteira como diferença
O Fronteira tem como propósito a difusão e a reflexão do cinema documental, experimental e de todo aquele que desafia os limites da linguagem. De acordo com Marcela Borela, que faz parte da direção do festival, a escolha por esses gêneros passa por uma decisão política, para além da questão estética. “A escolha do documentário valoriza o risco do real. E o experimental coloca a questão da percepção adiante de qualquer tipo de representação. São cinemas necessariamente questionadores de visões pré-fabricadas de mundo. Colocam novas maneiras de ver, pensar e sentir a realidade. Eles também tendem a expor conflitos, idiossincrasias e contradições da experiência humana”, explica.
De acordo com Borela, esta é também uma escolha pela diferença. “Porque é mais vasto, incerto, bifurcado, mais generoso e mais amplo de oportunidades. Os filmes documentários e experimentais podem ser mais simples, até mais pobres, às vezes, inclusive no sentido de dinheiro de fazer e investir, mas são mais ricos em experiência de encontro com a vida”. Ela também indica a importância desta escolha para haver um espaço fértil para discussões destes gêneros. “Nossa escolha parte da necessidade de criar uma comunidade. Uma espécie de território fértil para atenção e reflexão sobre cinema a partir dessas duas tradições. Que são duas das mais radicais do cinema. Nascem com o cinema, mas se organizam ao longo da história como formas minoritárias e também mais afastadas de elementos de poder e de aparato mais autoritário da indústria do cinema”, conclui.
Em sua terceira edição, o evento faz também um outro recorte, intensificando ainda mais sua resistência estética e política. Uma atitude provocada por um cenário brasileiro em que a democracia é questionada, colocando em pauta as lutas da classe trabalhadora, das minorias étnicas, raciais e de gênero. Segundo seus organizadores, “Se há um motivo para nos reunirmos em torno de filmes e do problema do cinema e da expressão da imagem e do som, é a urgência de partilharmos formas de resistência e luta.”.
Em 2017 serão 25 sessões do FFF e 25 sessões do BIS, totalizando 50 sessões de filmes e documentários. O Fronteira prevê a realização de cinco mostras principais: a Mostra Competitiva de Longas e a Mostra Competitiva de Curtas, com curadoria; a Mostra Retrospectiva; a Mostra Cineastas na Fronteira; a Mostra Cadmus e o Dragão.A curadoria das mostras fica a cargo de Marcela Borela, Henrique Borela e Rafael Parrode. As sessões têm custos populares, e o Fronteira organiza venda de pacotes, para reduzir ainda mais esse valor de ingressos. Além disto, o Fronteira oferece gratuitamente a Residência Estado Crítico, que esse ano abrirá 10 vagas, destinadas exclusivamente a mulheres. A residência será coordenada por Dalila Camargo Martins, mestre em Meios e Processos Audiovisuais na área de História e Teoria e Crítica (ECA/USP) e crítica de cinema da Revista Cinética, e também por Janaína Oliveira, doutora em História pela PUC/RJ e pesquisadora ligada ao FICINE – Fórum de Cinema Negro.
O cinema feito de sons
Uma visão original do cinema contemporâneo focada no desenvolvimento da linguagem sonora. É a partir desta ideia que surge a Bienal Internacional do Cinema Sonoro (BIS), que faz sua estreia em 2017. "A dominação do cinema mainstream nas salas goianas e brasileiras e a vocação dos festivais, críticos, produtores e mesmo diretores em valorizar a imagem em detrimento do som nos impulsionou a conceber o BIS”, explica Belém de Oliveira, diretor artístico da Bienal. O enfoque no aspecto sonoro é dado a fim de valorizar e incentivar a análise crítica e a inovação da escritura do som nas produções cinematográficas de curta e longa duração realizadas em Goiás, no Brasil e no mundo.
Com mostras competitivas e não competitivas, oficinas, palestras, laboratórios, debates, encontros e master class, o festival é todo centrado no som. Estudantes e profissionais do cinema, bem como técnicos de som, cinéfilos e demais interessados são o público alvo da Bienal. Entre os nomes que ministrarão as oficinas estão Guile Martins, professor do Instituto Federal de Goiás, artista visual, montador e sound designer, com a Oficina de Edição e Captação de Som e Bernardo Marques, diretor e editor de som, sound designer e técnico de som direto; realizador do site www.artesaosdosom.org, ele dará a Oficina de Direção de Som. As inscrições estão abertas e devem ser feitas através do site www.bis.art.br.
Bernardo Marques é também coordenador do Encontro Nacional dos Profissionais de Som do Cinema, que promoverá uma edição regional do evento entre os dias 22 e 24 de março dentro da programação do BIS. "Um dos objetivos da Bienal é fazer com que os realizadores troquem experiências entre si e discutam o rumo do aspecto sonoro no audiovisual brasileiro”, conta o diretor artístico.
A Bienal Internacional do Cinema Sonoro prevê as seguintes mostras: a Competitiva Internacional de Curta-metragem, com curadoria de Joice Scavone e Marisa Merlo; a Competitiva Internacional de Longa-metragem, com curadoria de Eduardo Valente e Belém de Oliveira; e ainda as mostras não-competitivas Lewis Carroll, Thomas Edison, Sonoridades Documentais, O Fantástico Som e Música Enquanto Linguagem. Preocupado com sua abrangência e o acesso das classes desfavorecidas às sessões, o festival oferece ingressos a preços populares.