A pauta do momento é a reforma da previdência, melhor seria dizer reforma do sistema de seguridade social, já que abrange questões outras que não só relacionadas com o pagamento de pensões e aposentadorias. Ataques e defesas têm sido uma constante, depois que o governo adotou a reforma como sendo a tábua de salvação da economia nacional. O último ato pelo lado do ataque foram as manifestações populares que se verificaram nos últimos dias contra a reforma. Encenações à parte, ambos os lados estão sem razão.
O governo não tem razão porque, no fundo, o que está fazendo é utilizar um momento crítico na vida nacional, que passou por uma profunda ruptura na normalidade com o processo de impeachment da presidente, para aprovar uma reforma que, indubitavelmente, é um retrocesso enorme no estado de bem-estar (se é que assim se pode chamar) da população brasileira. E para quê? Para poder continuar (e os governos vindouros) se utilizando de artifícios aéticos e anti-sociais de destinação de uma parcela da verba da seguridade social para fins outros, mais políticos e menos humanitários, como pagamento de juros da dívida pública. A falta de compaixão do ente público privilegia o interesse corporativo do sistema político em detrimento de um sistema de seguridade centrado no indivíduo.
Não há dúvida de que a reforma que o governo propõe, retira direitos adquiridos expressos na lei, é exageradamente desumana, porque atinge inclusive os que ganham pouco ou quase nada e subordina os interesses da sociedade aos interesses contábeis desse ente abstrato chamado estado, numa eloquente inversão dos valores mais caros à democracia, em que o indivíduo, instrumento de cruéis estruturas econômicas, é colocado a serviço do estado, quando deveria ser exatamente o contrário.
Sem sombra de dúvidas, a reforma encerra em si aspectos que afrontam a constituição, como defendem uns, seria desnecessária porque o sistema de seguridade como um todo, respeitada fosse a constituição e menos egoístas os governantes seria superavitária, como salientam outros, mas, sobretudo, é inaceitável no início do século XXI, quando o que se esperaria seriam medidas governamentais que levassem a uma melhora no quadro de bem-estar social e não o inverso.
Estamos andando para trás. Mas, por outro lado, os opositores que foram às ruas, também não têm razão. E não a tem porque a oposição à reforma se dá meramente por um processo de preservação individual de garantias, do mesmo tipo egoísta com que o corpo de técnicos do governo a propõe, e não porque haja uma consciência e uma moral comuns, alicerçada em valores comunitários de partilha e solidariedade, como motor da vivência social.
Igualmente, falta ao tecido social brasileiro a percepção da busca solidária pelo bem comum, seu lugar na sociedade e na história, e, ainda quando as pessoas se juntam, estão juntas para defenderem seu interesse particular. Em função disso, não há aproveitamento do momento de discussão para, mais do que ser apenas contra, apresentar propostas razoáveis, de evolução do estado de bem-estar social, que tornem as propostas governamentais tacanhas e os técnicos que as defendem medíocres.
O sistema de previdência social atual está longe de ser minimamente bom. Precisa sim, de reforma. Mas uma reforma para melhor, com foco no indivíduo, nas suas qualidades humanas, seu estado ou condição e não no superávit primário do Estado.
*João Cordeiro é professor da Faculdade de Engenharia da Unesp de Ilha Solteira.