Uma pesquisa divulgada no final do mês de março pelo Projeto Mulheres Inspiradoras (PMI), apontando o Brasil na 115ª posição no ranking mundial de presença feminina no Parlamento, dentre os 138 países analisados, voltou a chamar a atenção para a baixa representatividade das mulheres na esfera política. Apesar de ser maioria da população (51,5%) e do eleitorado brasileiro (quase 53% do total de votantes da última eleição), os projetos, políticas públicas e temas de interesse desta parcela da população são definidos, em sua imensa maioria, por homens.
A baixa representatividade das mulheres em cargos públicos, sejam eleitorais ou não, é “um problema estrutural”, que precisa ser combatido por meio de políticas públicas e maior investimento dos partidos políticos. Essa é a avaliação da Professora Drª Cynthia Mara Miranda, da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Ela, que tem pesquisas direcionadas ao debate de gênero, afirma que, entre os principais fatores para perpetuação da desigualdade de gênero na política, estão a falta de incentivos e maior investimento dos partidos nas candidaturas femininas; a falta de indicação, também por parte dos partidos políticos, de mulheres para ocuparem cargos de decisão; e a carga de tempo reduzida que a maioria das mulheres dispõem para participar da política, em função da sobreposição de jornadas de trabalho.
“É preciso fugir desse senso comum de que ‘a mulher não gosta de política e que, por isso, elas estão menos representadas’. Não é nada disso. É um problema estrutural, que precisa ser combatido”, frisou a pesquisadora.
No Brasil, das 27 unidades federativas, apenas uma é comandada por uma mulher: Rondônia, cuja governadora é Suely Campos (PP). Já os cargos de vice-governadoras estão sendo ocupadas por seis mulheres. Uma delas é Claudia Lelis (PV), que é vice-governadora do Tocantins. A discrepância não está presente apenas na ocupação de cargos do Poder Executivo. Judiciário e Legislativo também estão distantes de demonstrar equidade na ocupação de suas vagas.
O Conexão Tocantins buscou identificar como estão representadas as mulheres no Estado, nas três esferas de Poder – Executivo, Legislativo e Judiciário – e traz um panorama desta representatividade.
As mulheres e os cargos públicos no Tocantins
Além da vice-governadora, o Executivo estadual tem em seu quadro de primeiro escalão, sete mulheres integrando uma equipe que, ao todo, é composta por 40 secretários e presidentes de autarquias. A elas, estão delegadas a presidência da Fundação Radiodifusão Educativa do Tocantins (Redesat), comandada por Maria Valéria Miranda Kurovski; a Secretaria da Comunicação Social, por Kênia de Moura Borges; a Secretaria de Estado da Educação, Juventude e Esportes, por Wanessa Zavarese Sechim; a Secretaria de Estado da Defesa e Proteção Social, Gleidy Braga; a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos, por Meire Carreira; a Secretaria de Estado do Trabalho e Assistência Social, ocupada por Patrícia Rodrigues do Amaral; e a reitoria da Fundação Universidade do Tocantins (Unitins), por Elisângela Glória.
No Tribunal de Justiça do Estado, por exemplo, o Pleno é composto por 12 desembargadores. Destes, somente quatro são mulheres: Jacqueline Adorno, Ângela Prudente, Maysa Vendramini e Etelvina Sampaio.
No Tribunal de Contas, são 7 conselheiros que compõe o Pleno. Destes, somente uma mulher: a conselheira Doris de Miranda Coutinho. Entre os conselheiros substitutos, são 11 vagas, sendo duas ocupadas por mulheres. Da mesma forma, o Ministério Público de Contas, vinculado ao Tribunal, é composto por 7 procuradores: apenas duas são mulheres.
Boa representatividade
Um exemplo positivo de representatividade feminina vem do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins. Dos 7 juízes que integram a Corte, quatro são mulheres e atualmente, elas ocupam cargos da linha de frente do órgão. A desembargadora Ângela Prudente é a presidente até junho deste ano; já a desembargadora Jacqueline Adorno ocupa a vice-presidência; enquanto que Denise Dias Dutra Drumond é vice-corregedora e Ângela Issa Haonat é jurista na Corte. Também está a cargo de uma mulher, Etelvina Maria Sampaio Felipe, a vaga de 1ª juíza substituta no órgão.
Legislativo federal
No âmbito do Poder Legislativo brasileiro, das 81 cadeiras do Senado da República, apenas 13 vagas são ocupadas por mulheres. Como cada Estado elege 3 senadores, uma análise simples dos números demonstra que mais da metade das unidades federativas elegeu apenas homens como representes naquela Casa Legislativa; observa-se também que nenhum Estado brasileiro possui duas mulheres como representantes no Senado, ou seja, aqueles que elegeram, elegeram apenas uma mulher. É o caso do Tocantins que, entre seus três representantes no Senado, está a senadora Kátia Abreu (PMDB), em seu segundo mandato consecutivo.
Quadro de desigualdade de gênero é exorbitante também na Câmara Federal. Das 513 cadeiras, somente 55 são ocupadas por mulheres. O Tocantins elegeu um número considerável de mulheres para esta Casa, visto que são três mulheres entre os oito representantes dos tocantinenses na Câmara de Deputados: Dorinha Seabra Rezende (DEM), Josi Nunes (PMDB) e Dulce Miranda (PMDB).
Quando da eleição, em 2014, 32 homens disputaram cargo para deputado federal pelo Tocantins, ao passo que 15 mulheres entraram no pleito. Esta representatividade feminina do Tocantins na Câmara pode ser indicativo de que quando as mulheres têm a oportunidade de entrar na disputa, com investimento real, podem conquistar o espaço.
A Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), estabelece, que, nas eleições proporcionais, “(...) cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo”. Isso amplia a participação das mulheres na disputa, mas não garante efetivamente, chances de vencer, visto que muitos partidos se preocupam apenas em “cumprir a lei”, indicando mulheres à disputa apenas para preencher a vaga, sem destinar qualquer investimento a tais candidatura. “A cada ano, os partidos deveriam ter uma preparação para que as mulheres possam participar com condições reais das eleições”, defendeu Cynthia Mara.
Legislativo estadual
Nas últimas eleições para o cargo de deputado estadual, em 2014, foram 238 candidatos na disputa pelas 24 vagas do Parlamento tocantinense. Entre eles, 62 mulheres. Apenas três foram eleitas: Luana Ribeiro (PR), Amália Santana (PT) e Valderez Castelo Branco (PP). Atualmente, a Casa conta com quatro mulheres, uma vez que, como primeira suplente, Solange Duailibe (PR) assumiu a vaga durante período de licença de outro parlamentar.
Nos municípios
Nas eleições municipais de 2016,7.468 candidatos se inscreveram para participar do processo eleitoral no Estado, disputando vagas nas prefeituras e Câmaras Municipais. Destes, apenas 32,59%, ou 2.434, eram mulheres.
Para disputar as 139 vagas nas prefeituras municipais do Tocantins, foram 401 inscritos, dos quais 331 (82,54%) eram candidatos do sexo masculino e apenas 70 (17,46%), feminino. Já para o cargo de vice-prefeito municipal, foram 324 (80%) homens inscritos e 81 (20%) mulheres.
O baixo percentual de mulheres na disputa refletiu diretamente na quantidade de mulheres eleitas. Hoje, dos 139 municípios do Tocantins, apenas 26 são comandados por mulheres, o que corresponde a um percentual de 18,8%.
Legislativo Municipal
Ao todo, são 1299 vagas disponíveis nas câmaras municipais dos 139 municípios tocantinenses. Na disputa de 2016, foram 2.283 mulheres (34,27%), contra 4.379 (65,73) candidatos do sexo masculino.
Apesar do percentual de quase 35% de mulheres no pleito, a representatividade nos municípios é irrisória. Para se ter um exemplo, as 19 vagas à Câmara de Vereadores de Palmas foram disputadas por 353 candidatos. Destes, 117 (ou 32%) eram mulheres. Nas urnas, porém, apenas duas candidatas saíram vitoriosas: Vanda Monteiro (PSL) e Laudecy Coimbra (SD).
Em Araguaína, o segundo maior município do Tocantins, hoje a Casa de Leis está composta exclusivamente por homens, apesar nas últimas eleições, 85 mulheres (ou 32%) terem participado do pleito por uma das 17 vagas da Câmara. Já em Gurupi, foram 112 candidatos às 13 cadeiras do Parlamento. Entre os candidatos, 39 eram mulheres (33%). Apenas uma foi eleita.
Desafios
A garantia do direito a uma representatividade mais justa e igualitária na política, passa, necessariamente, pela educação, como pontua a pesquisadora Cynthia Mara. “Enquanto os gestores e as gestoras se furtarem do debate de gênero nas escolas, eu acredito que vai ser muito difícil a gente mudar essa realidade. A gente precisa discutir gênero desde a infância, mostrar que as mulheres são tão capazes quanto os homens para exercer cargos políticos”.
A pesquisadora também destaca a importância da reforma do sistema político, como medida fundamental para a ampliação desta participação. Segundo ela, atualmente, no campo da Ciência Política, já existe a linha de defesa da paridade de gênero nos espaços de poder. “Não dá mais para pensar em cotas. Nós somos mais de 50% das eleitoras. Então, agora, seria a paridade mesmo: 50% homens, 50% mulheres, disputando as eleições. Claro que isso é uma meta muito distante. Se a gente for observar que no Brasil toda vez que se ameaça discutir a reforma política, para-se tudo, não se avança.... As elites que estão no Parlamento, os homens que ocupam cargos de poder, não querem sair, porque, para as mulheres entrarem, é preciso os homens saírem. Para a gente pensar na paridade, tem que discutir essa mudança de lugares na política”, alertou.