Um homem foi morto e outro ficou ferido no último sábado, 19, por volta das 12h30, em uma área próxima ao Acampamento Clodomir Santos de Morais, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), localizado no município de Ipueiras/TO e defronte para o município de Brejinho de Nazaré/TO. O crime teria ocorrido durante um tiroteio nas margens do Rio Tocantins e as duas vítimas estariam acompanhando um engenheiro florestal de nome Marcelo que estaria fazendo georreferenciamento da área.
A Polícia Militar esteve no local do crime e também no Acampamento do MST, sendo que, no momento que a guarnição estava colhendo as informações, um homem, de 59 anos, teria saído de dentro do mato portando três armas, sendo uma espingarda de calibre 32, com um cartucho intacto, uma espingarda de calibre não identificado e uma arma de pressão. Segundo a PM, o suspeito teria informado que não tinha envolvimento com os crimes e que usava as armas para caçar. Diante da situação, o infrator e as armas de fogo foram conduzidos à Delegacia de Porto Nacional.
Segundo a Polícia Militar, as duas vítimas estavam em um barco e foram alvejadas, sendo que um homem caiu no rio e o corpo foi encontrado no domingo e o outro foi baleado, mas conseguiu sobreviver. No momento do tiroteio o engenheiro não estava no barco, segundo informação da Polícia Civil que está apurando o caso sobre o comando do delegado titular, Ibanes Aires Neto, da 4ª Delegacia Regional de Polícia Civil (DRPC) de Porto Nacional/TO.
O Conexão Tocantins apurou junto a uma liderança dos Trabalhadores Sem Terra que os acampados teriam visto quando a embarcação das vítimas teria sido rebocada por outro barco até a beira rio de uma propriedade do vice-prefeito de Brejinho de Nazaré, João Neto.
O delegado titular, Ibanes Aires Neto, informou ao Conexão Tocantins que começou a ouvir testemunhas nesta última segunda-feira, 21, e que irá ouvir outras na próxima quarta-feira, 23. Segundo ele, o inquérito ainda é muito embrionário, não teve acesso ainda a laudos médicos, mas já trabalha com três linhas de investigação, sendo o conflito pela posse da terra uma delas.
A vítima fatal do crime foi Gerson Pereira Montizuma, 36 anos, que morava no povoado Jacuba, no município de Natividade, sudeste do Tocantins. O ferido Natanael Assunção Santana, idade não revelada, é trabalhador rural e está internado. Ambos auxiliavam o engenheiro florestal Marcelo.
Segundo a Polícia Civil de Porto Nacional, o engenheiro Marcelo teria sido contratado para fazer o georreferenciamento da área, por Vicente Rodrigues Araújo, que alega ter posse de parte da Fazenda Brejão, área do conflito que é disputada pela Investco, pelos Trabalhadores Sem Terra e por ele, Vicente Araújo, a quem os sem-terra acusam de ser grileiro da área, associado com o vice-prefeito de Brejinho de Nazaré, João Neto.
O Conexão Tocantins tentou ouvir Vicente Araújo por meio de diversas ligações, para saber sua versão dos fatos e sobre a acusação que os Trabalhadores Sem Terra lhe fazem, de ser grileiro, no entanto, até o momento, ele atendeu às ligações mas preferiu não se posicionar. O espaço permanece aberto para que ele possa apresentar seu posicionamento.
Famílias Reivindicam Terras
Mais de 50 famílias, em sua maioria integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), instalados no acampamento Clodomir Santos de Morais, reivindicam a posse da área onde estão acampados e que, supostamente, seria da Investco, mas que estaria também sobre a ação dos supostos grileiros Vicente Araujo e João Neto, que estariam tentando, segundo os sem-terra se apossar da terra.
Antes do tiroteio no último sábado, os Trabalhadores Sem Terra vinham relatando sofrer pressão por parte de pistoleiros que estariam rondando a área do acampamento durante as madrugadas, dando tiros para intimidá-los.
Segundo os sem-terra, os pistoleiros estariam sob o comando de Vicente Araújo. Também afirmam que Araújo teria dito em uma das oportunidades que esteve no acampamento, que estaria representando um tal coronel Dercídio, da Polícia Militar. Segundo relatos dos acampados, Araújo e o suposto coronel teriam se associado ao vice-prefeito, João Neto, com o intuito de expulsar os acampados para grilar as terras.
Ainda de acordo com os sem-terra, no último dia 10 de agosto, Vicente Araújo teria aparecido com armas em punho no acampamento, acompanhado de pistoleiros, para intimidar os que estavam presentes no momento. Armas teriam sido apontadas para o integrante do MST, José Carlos. "Se você ficar, vamos fazer você virar adubo de planta", teria ouvido José Carlos, segundo o MST.
Ao Conexão Tocantins, durante visita da equipe de reportagem ao acampamento, José Carlos disse que só quer paz e um pedaço de terra para tratar da sua família com 5 filhos. “Eu gosto é de morar na roça, criar meus porcos, criar minhas galinhas, só quero um pedacinho de terra para fazer minhas plantações para cuidar da minha família”, disse o sem-terra abraçado a uma filha que tem problema físico.
Segundo integrantes do MST, os fatos foram denunciados na Delegacia de Conflitos Agrários, para a delegada Ludmilla Cristian Cesarino, mas, segundo os Trabalhadores Sem Terra, as atitudes da titular teriam demonstrado estar do lado dos supostos grileiros. Sobre tal atitude da delegada, o Conexão Tocantins solicitou posicionamento da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP/TO) mas não obteve resposta.
Defensoria Pública Agrária
Zenilda Ferraz, uma das líderes do MST no acampamento, procurou no último dia 16 de agosto, a Defensoria Pública Agrária (DPAGRA) para denunciar as ameaças. Ela relatou as ameaças com armas de fogo que os acampados estariam sofrendo e incêndio em barraco feito pelos supostos pistoleiros. A líder relatou na oportunidade que os supostos pistoleiros estavam embriagados e ameaçaram com armas a família do acampado José Carlos, no intuito de intimidar os integrantes do MST.
A líder do MST informou também para a Defensoria que nem as crianças e os idosos escapam de ameaças. Informou ainda que o vice-prefeito de Brejinho, João Neto, teria se apossado de 400 alqueires da área, apesar da ocupação que já existia no local.
O ameaçado José Carlos acompanhou Zenilda na denúncia. O sem-terra relatou à Defensoria Agrária vários insultos, inclusive ameaças racistas deferidas por Vicente Araújo, acrescentando tratar-se de um homem violento.
Zenilda explicou ao Conexão Tocantins que, de agora em diante, dada as proporções que a questão vem tomando, "sobretudo em função das constantes ameaças de jagunços armados com arma de fogo e até agressão física contra acampado" encaminhará denúncias junto MPF, Defensoria Agrária e Ouvidoria Agrária. "O MST continua afirmando que vai continuar na luta até a conquista da terra. Os grileiros que insistem em expulsar os sem-terra, mas não irão conseguir, pois entendemos que esta área trata-se de terra pública", afirmou líder.
Sobre o caso, a Defensoria Pública informou que atendeu os representantes do acampamento, colheu termo de declaração e encaminhou os assistidos para a Delegacia de Repressão aos Conflitos Agrários (DRCA). Também na Defensoria foi solicitado que os representantes providenciassem os boletins de ocorrências para que seja agendado atendimento e providências judiciais.
Pastoral da Terra
O Conexão Tocantins entrou em contato com a Pastoral da Terra Araguaia-Tocantins que informou não realizar o acompanhamento do caso até o momento e ainda não sabe sobre o processo de luta das famílias do acampamento.
Suposto Coronel
O Conexão Tocantins também procurou a Polícia Militar que informou não ter recebido denúncia referente ao caso envolvendo o suposto coronel Dercídio, que teria sido citado pelos supostos pistoleiros durante as incursões no acampamento dos sem-terra. "A corporação orienta que os reclamantes se direcionem à Corregedoria no Quartel do Comando Geral para formalizarem a denúncia para que sejam tomadas as providências pertinentes".
Questionada pela reportagem se o tal coronel citado pelos Trabalhadores Sem Terra realmente existe nos quadros da corporação, a Polícia Militar apenas frisou que não informa dados de pessoas, nem civis, nem militares.
Vice-prefeito João Neto
Em entrevista ao Conexão Tocantins na última quinta-feira, 17, portanto, anterior ao crime ocorrido, o vice-prefeito de Brejinho de Nazaré, João Neto, disse não ter nenhum tipo de relação com Vicente Araújo ou com o tal suposto coronel Dercídio. "Nunca nem vi esse coronel e o Vicente Araújo sei quem é, mas não tenho amizade, inclusive ele não tem muita afinidade comigo", disse.
João Neto disse não ter nada a ver com as supostas ameaças e falou em representação judicial. "Já não aguento mais e já estou para entrar com representação judicial contra esse povo. Depois que esse povo veio para cá virou um Deus nos acuda", frisou.
Segundo João Neto, há uma ordem de despejo contra os militantes que, segundo ele, são baderneiros. "São uns baderneiros, não tem nada a ver comigo, desconheço qualquer fato desse povo. Estão é com despejo judicial da Investco", informou.
O vice-prefeito pediu para que os acampados façam denúncias com fundamento. "E não ficar envolvendo o nome de pessoas que não tem nada a ver. Ficam arrumando pretexto para invadir terra alheia", disse o vice-prefeito.